Record (Portugal)

“JOGADORES SAÍAM ÀS 4H30 DA MANHÃ PARA REZAR”

J OSÉ R OMÃO

- PEDRO GONÇALO PINTO. KRATOVO

Nenhum português conhece Marrocos como José Romão. O técnico, de 64 anos, já treinou os três grandes do próximo adversário da Seleção Nacional e tem muitas aventuras – umas curiosas, outras dramáticas – para contar

Sente- se como o maior embaixador português em Marrocos?

JOSÉ ROMÃO – Fui muito feliz em Marrocos. Tive a sorte de entrar com o pé direito e de muita gente me ter ajudado, principalm­ente os jogadores. Tive a sorte porque fui para uma grande equipa de Marrocos, o Wydad. Foi um desafio fantástico. Era uma equipa com muitos títulos, mas há 13 anos que não ganhava nada. Tivemos a felicidade e o talento para ganhar o título e reconquist­ámos o espírito ganhador. O que é que o marcou mais?

JR – No 100º dérbi entre Wydad e Raja Casablanca, precisávam­os de um empate para ganhar o título. No período de descontos, fizemos o golo do empate, de raiva. Dois anos depois, estava no Qatar e o rival do outro lado da circular – os complexos estão separados por uma avenida – chamou-me e voltei para Marrocos para o Raja. O Raja não ganhava o campeonato há 5 anos e tivemos novamente o prazer de saborear o título. No Raja também sentiu todo esse reconhecim­ento?

JR – Depois de termos sido cam- peões, jogámos no Estádio de Honra Mohammed V e fui surpreendi­do com uma homenagem que ainda hoje está no meu coração. Vi a bandeira portuguesa feita pelos adeptos. Mais tarde regressei ao Raja e eles tinham começado a época muito mal. Estávamos na 9ª posição e fomos vice-campeões. Já no último ano, tive o privilégio de treinar o FAR. É o único a ter treinado os três grandes, não é?

JR – Sim! E sou o único na história do futebol de Marrocos que ganhou um título a treinar o Wydad e o Raja Casablanca. Dificilmen­te um treinador sairia de um lado para o outro e ganharia títulos. Posso dizer que Marrocos tem um espírito que me encanta, um futebol que ao contrário do que muitos possam pensar é de enormes emoções. Quão diferente é o futebol lá?

JR – O público de Marrocos gosta de futebol e de clubes. Nós em Portugal gostamos mais dos clubes do que de futebol. Mas temos de estar muito atentos. No Raja também tive um momento em que me assustei. Num jogo da Champions, na Argélia, tínhamos empatado em casa e perdemos nos penáltis. Foi assustador. O público do Raja foi massacrado, houve feridos, ficou incontrolá­vel, mas felizmente as coisas sossegaram depois. Houve um choque cultural?

JR – Tive momentos muitos difíceis no primeiro mês em Casablanca. Fui sozinho, não tinha tradutor para árabe. Falava francês e os meus colaborado­res eram filhos da casa. Muitos jogadores não percebiam ‘patavina’ de francês e en- tão um adjunto fazia traduções, mas sempre senti que a tradução algumas vezes não era a mais fiel. Que história mais curiosa tem?

JR – Lembro-me de que fiz um primeiro estágio com o Wydad e no fim eles sentiam que talvez eu não estivesse ali de coração. Vim a Portugal um fim de semana e ligaramme todos os dias, sempre a pensar que eu não ia regressar. Mas claro que nada me impedia. Houve uma aceitação boa dos jogadores. Pas- sou-me pela cabeça não regressar mas não podia fazê-lo. E com os jogadores?

JR – Veio-me à memória uma história muito engraçada no Wydad. Na primeira noite do estágio comecei a ouvir um barulho inusitado. Eram 4h30 da manhã e fui à janela ver o que era. Estava a ver os jogadores a sair do hotel. Só pensava que estavam a fugir! Estavam a ir para a mesquita que ficava perto para a primeira oração. *

“SOU O ÚNICO NA HISTÓRIA DO FUTEBOL DE MARROCOS QUE GANHOU UM TÍTULO A TREINAR O WYDAD E O RAJA”

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