Record (Portugal)

A lição do ‘grande homem’

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JOGUEI EM NOVE CLUBES, MAS SÓ SOU SÓCIO DE UM. O SPORTING É O MEU PAI E A MINHA MÃE NO FUTEBOL EM 2011, ESTIVE AO LADO DE DIAS FERREIRA NA CORRIDA À PRESIDÊNCI­A DO SPORTING. PERDEMOS, APÓS UMA MADRUGADA NEGRA. MAS, NO FINAL, ELE DISSE-ME UMA FRASE QUE É MAIS ATUAL DO QUE NUNCA

Falta pouco tempo para fecharem as urnas na Assembleia Geral do Sporting enquanto escrevo estas linhas. O momento do clube é tão delicado que fui ler o último capítulo do meu livro ‘El português’, que descreve o que se passou nas eleições de 2011.

Naquela última página escrevi

coisas como esta: “No dia em que fui para o Porto, de madrugada, o então presidente do Sporting, João Rocha, pediu a Dias Ferreira para ir à minha casa, no Montijo, ver se eu ainda lá estava. Entrou e viu a minha mãe e a minha avó, continuava­m a chorar. Lágrimas que se prolongava­m há muito tempo. O menino delas tinha-se ido embora. Estava a caminho do Porto, com o seu pai, para assinar por um novo clube. Longe de casa, longe delas.

Dias Ferreira nem perguntou por mim.

Ao ver aquele sofrimento, percebeu imediatame­nte que eu já tinha partido. Qualquer outra pessoa, no seu lugar, tinha voltado para trás. Mas ele não. Ficou a consolar a minha mãe e a minha avó durante algumas horas. Só mesmo um grande ser humano pode ter uma atitude de tamanha compaixão numa situação semelhante. Há poucos como ele. No futebol e na vida.

Os anos passaram e foram bons para ambos,

mas deixaram a marca sobre aqueles que amamos. Hoje em dia, a minha mãe sofre de Alzheimer. Já não me reconhece. Nem a mim, nem a ninguém. Por cada dia que passa estamos a despedirmo-nos dela. Mas enquanto a sua memória não a atraiçoou, sempre se referiu a Dias Ferreira como ‘o grande homem’. ‘Paulo Jorge, hoje vi o grande homem na televisão.’

Tenho uma tremenda admiração por ele desde criança.

Muito antes da minha saída para o FC Porto.

Já antes de me tornar embaixador do Atlético Madrid,

ele tentou convidar-me para fazer parte da direção de José Roquette. Tivemos uma reunião e ele propôs a Roquette que eu fosse o homem do futebol. Mas Gil y Gil tinha-me feito o convite público, através da SIC, para eu voltar ao Atlético Madrid. Prometi-lhe que aceitava e acabei por regressar ao mundo colchonero. No entanto, fiquei sempre com a vontade de poder aventurar-me num projeto com ‘o grande homem’.

Esse dia chegou a 19 de fevereiro de 2011.

Ele já tinha assumido publicamen­te que ia ser candidato à presidênci­a do Sporting, convidou-me para ser o diretor-desportivo no seu grande projeto e chegámos a acordo em dois minutos.

No dia das eleições, voltei ao estádio de Alvalade 27 anos depois.

Fui extraordin­ariamente bem recebido e senti-me novamente em casa. A receção foi tão calorosa que eu e ‘o grande homem’ chegámos a pensar que podíamos ven- cer as eleições. Mas infelizmen­te não foi assim...

Quando percebi que não íamos ganhar naquela

madrugada horrível – pessoas que já tinham falecido tinham acabado de votar! – , fiquei muito triste pelo ‘grande homem’. Mais do que ninguém, Dias Ferreira merecia ser presidente do Sporting. Por uma vida inteira dedicada ao clube, certamente que daria um grande presidente do nosso clube.

Tudo o que se passou foi péssimo para a imagem do clube,

mas para o Dias Ferreira e para mim, as eleições, as rivalidade­s e a polémica tinham acabado naquela mesma madrugada. O importante para ambos naquele momento de crise era o futuro do Sporting e que todos os sportingui­stas voltassem a estar unidos.

Joguei em nove clubes, mas só sou sócio de um,

que é o meu pai e a minha mãe no futebol, como costumo dizer: o Sporting. Desde que cheguei a este gigante clube, quando tinha 11 anos, já passaram mais de 40 anos. Sou o sócio 7.746/0 – e ontem estive na AG. Enquanto escrevo estas linhas, ainda não sei os resultados da Assembleia. Mas independen­temente de quem ganhe e perca, termino com a frase que o Dias Ferreira me disse naquela madrugada negra de 2011: ”Só com a união de todos os sportingui­stas se pode sair desta horrível crise que parece que não tem fim. Só com a união de todo o mundo leonino pode voltar a paz e tranquilid­ade que este gigante e enorme clube merece.”

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