Não se troca génio por bombo
Aquele portentoso lance aos 45 minutos (em que Adrien deixou de fazer o óbvio e o fácil, assistindo para a ‘trivelada’ exótica e assombrosa de Quaresma) poderia ter funcionado como uma tréplica certeira aos que, como eu, torceram o nariz ao onze inicial. Mas uma olhar global à prestação de Portugal acabou por não confirmar o desregramento da crítica, que, infelizmente, continuava a fazer sentido no final do jogo. De facto, nos dois jogos anteriores, Portugal acusara diversas debilidades: cobertura defeituosa das laterais, deficiente saída de bola, problemas na primeira fase de construção e dificuldades em ligar o jogo. Boa parte resultavam de uma má ocupação dos espaços, mais do que da falta de agressividade (ou de ‘bombo’, para usar a terminologia errónea que esteve na moda durante a semana). Com a Espanha e Marrocos, os jogadores estavam sempre longe uns dos outros, o que resultou no número exagerado de maus passes.
Frente a umadversário como o Irão, que faz parte daquele lote de equipas que parecem sempre mais ambiciosas quando perdem a bola do que quando a têm, Portugal teria necessariamente de ter mais bola e mais facilidades na circulação nos primeiros dois terços do campo (mesmo levando em conta a marcação individual a que foi sujeito William). É certo que houve sinais de melhoria, principalmente nos 15 minutos iniciais, aqui em função de um efeito surpresa chamado Quaresma. Portugal foi mais pa- ciente e criterioso. Mas o ‘upgrade’ terá de ser relacionado também com um adversário que defende lá atrás com uma primeira linha de seis e outra de quatro. O resto não melhorou suficientemente. Continuou a faltar criatividade, fluidez e as triangulações necessárias para desmontar a caixaforte de Carlos Queiroz. E, aqui chegados, é impossível não discutir a titularidade de Adrien e a saída da equipa de Bernardo Silva. O primeiro até fez um jogo interessante e esteve no golo, que surgiu numa altura em que o Irão crescia. Mas, não estando João Moutinho nas melhores condições, Bruno Fernandes ou Manuel Fernandes ofereceriam uma variedade de soluções superior naqueles 30 metros finais em que as coisas se decidem. E tirar Bernardo Silva de uma seleção que mostrava dificuldades na construção fez tanto sentido como, num exemplo mal comparado, abdicar de John Lennon, de McCartney ou de Harrison para confiar que as ‘batucadas’ de Ringo Starr nos tambores e nos pratos é que iriam salvar a honra do Beatles… Bernardo não esteve brilhante nos dois jogos anteriores, mas será que isso aconteceu principalmente por culpa própria ou por ter estado sempre isolado e rodeado de adversários? A resposta parece óbvia, quase tão manifesta como a oportunidade perdida por Portugal: poder defrontar uma seleção russa em processo de conserto em vez de um Uruguai voraz e à procura de mais uma façanha levada a cabo por homens competitivos e com sede de vitórias.