Sigamos a coragem de Artur José Pereira
Tenho vivido os últimos tempos com o peso de uma enorme responsabilidade decorrente das últimas palavras que ouvimos ao Senhor Major Baptista da Silva, com quem tive a enorme honra de partilhar em vários mandatos a Mesa da AG do clube e da SAD, que já no seu leito no hospital, quando o clube lhe entregou o seu maior galardão de mérito, a Cruz de Cristo, nos pediu com aquelas que foram as suas últimas palavras para os dirigentes da altura : “não deixem morrer o nosso Belenenses.”
Felizmente, sinto-me hoje muito mais aliviado por ver mais fácil e possível um futuro digno para o CFB, os seus valores fundacionais repostos e respeitados, um sentimento de esperança que agora se espalhou por toda a massa associativa e pelos amigos do Belenenses. Sem querer discutir a evidente grandeza do Clube de Futebol os Belenenses, venho hoje aqui propor que centremos o debate no momento atual deste nosso histórico emblema.
Faço-o porque licomatenção a cartaescrita pelo antigo dirigen- te João Neves nas páginas deste jornal, e percebi-o algo desiludido. Dizia João Neves, e cito, que “começar nos distritais é algo tão ridículo que custa a acreditar que possam aceitar”. Foram palavras que me entristeceram, por não traduzirem o que tenho percebido nos contactos com muitos sócios e simpatizantes. E venho em continuação dessa sua carta escrita por desde os bancos da universidade ser amigo de João Neves, cujo belenensismo está, para mim, fora de dúvida.
Os últimos anos não têmsido fáceis para o Clube de Futebol Os Belenenses. Desde que em 2012 foi cedida a participação majoritária na sua SAD a uma empresa privada - embora com a promessa expressa e estabelecida em contrato de recompra - que o nosso clube tem vindo a sofrer a maior crise da sua quase centenária história. A desgraça não foi, pasme-se, o caos financeiro que levou a essa cedência, mas sim a forma como, uma vez perdido o controlo da SAD, os novos donos desta logo trataram de rescindir o Acordo Parassocial que tinha como único ponto relevante a possibilidade de o Clube recomprar os 51 por cento de ações entretanto vendidos.
De então paracá, não vale apena historiar, assistiu-se a um desrespeito crescente dos acionistas pela realidade do clube, a sua matriz histórica e a ligação aos adeptos. O culminar deste divórcio foi a traição maior: a fuga da equipa que fundámos para jogar no Estádio Nacional, tão perto do Estádio do Restelo e tão longe dos nossos corações azuis.
Mas, não podemos atuais dirigentes e os futuros esquecer um dos valores fundacionais do Clube de Futebol Os Belenenses, ter uma equipa de futebol sénior valorosa, competente e digna de ombrear com as maiores equipas suas rivais, uma equipa ligada aos sócios que em cada momento da história escolhem quem os representa e dirige. O Belenenses é um clube eclético mas o futebol este- ve na sua génese e terá que estar sempre vivo e presente.
Começar nos distritais é uma ideia assustadora, sim. Assustadora porque esse não é o lugar do Belenenses. Sejamos, porém, realistas: hoje o Clube de Futebol Os Belenenses não tem uma equipa de futebol sénior. Há uma empresa que ignora a nossa história e valores, que se recusa a negociar com os dirigentes eleitos pelos sócios e se vai embora da nossa casa agarrada ao nosso emblema. Jogar nos distritais pode ser assustador, mas vamos lá clarificar que ou jogamos nas distritais ou não jogamos de todo. Se o lugar do Belenenses não é nos distritais – e admira-me a insensibilidade da FPF para este caso – pior ainda seria não termos futebol.
Este Adamastor de refundar o clube, é também, a meu ver, um Cabo da Boa Esperança, um passo de gigante que o nosso clube volta a dar. Assumimos um erro histórico, mas mais uma vez mostramos que ser grande é ter honra, ser grande é ser corajoso, ser grande é respeitar a inspiração do nosso fundador Artur José Pereira, que não teve medo de deixar uma confortável carreira no Benfica e Sporting para, em 1919, dar ao Mundo este Belenenses de que hoje nos orgulhamos.
Este renascimento passarápor umadescidaao inferno, mas de lá o Belenenses voltará mais forte, mais credível, mais unido, maior, com reforçada base de apoio. Estamos a liderar um movimento de moralização do desporto em Portugal, ao qual até já os partidos com assento na Assembleia da República dão atenção, revelando intenção de alterar a lei das SAD. Ridículo não é começar de novo, caros amigos. Ridículo seria deixar que interesses privados levassem por diante a usurpação da nossa história praticamente centenária.
SE O LUGAR DO BELENENSES NÃO É NOS DISTRITAIS, PIOR SERIA NÃO TERMOS FUTEBOL
Como ouvi dizer ao Presidente Patrick Morais de Carvalho, unidos, os sócios darão provade vidae em breve estaremos todos no Restelo a vibrarcom as nossas vitórias e com o regresso às ligas profissionais.
O nosso caminho é o mesmo de sempre ao longo de um século : “para a frente e sempre com a certeza de vencer.”