DUAS HORAS DE MISSA, A CRUZ E A FOGUEIRA
Quando Jules Rimet desceu da tribuna para consagrar os brasileiros e Ghiggia mudou tudo
Uma fase inicial com dois grupos de quatro, um de três e outro de dois, e um quadrangular final. A estrutura insólita da prova fê-la irrepetível por falta de uma final propriamente dita, ainda que o duelo entre Brasil e Uruguai tenha servido como tal. A precisar apenas de empatar, o Brasil entra a ganhar, faz 30 remates à baliza e sai a perder. Com o jogo igualado, Jules Rimet baixa à flor do relvado, convicto de que o escrete segura o empate. “Estava tudo pensado: eu descia e entregava a taça, perante vistosa guarda de honra, ouvindo-se o hino. Desci as escadas pelo interior do estádio, sob a festa ensurdecedora da multidão”, contou Rimet, que o fez “com guardas armados para proteger o troféu” para o vencedor, em ouro maciço. “Num repente, silêncio... Chego ao relvado e não há guarda de honra, nem hino. Estou sozinho entre a multidão, empurrado por todos os lados, escondendo a taça debaixo de um braço para que não me a roubassem!” Se o golo de Ghiggia apanhou Rimet desprevenido, imagine-se o que sentiram os 200 mil brasileiros que rebentaram o Maracanã pelas costuras. A ira tomou conta da festa e deu cabo da vida de alguns dos derrotados. O treinador Flávio Costa foi crucificado por ter imposto duas horas de missa em pé aos seus jogadores, na manhã do jogo. Barbosa, um dos melho- res guarda-redes brasileiros, “foi lançado na fogueira”, segundo a sua própria filha. “O meu pai dizia que não viu a bola passar. Só ouviu o barulho do silêncio que ficou no estádio. Vejam bem, ele ouviu o silêncio...”, dramatiza Tereza, admitindo tamanha revolta que chegou a celebrar os 7-1 com que a Alemanha esmagou o Brasil em 2014: “A Copa de 50 não foi nada perto disto. Agora vão colocar o Barbosa no seu devido lugar!” Nem o equipamento se safou: até então sempre de branco, o Brasil passa a jogar de camisola amarela, calção azul, meia alva.
URUGUAI-Brasil , 2-1 (Schiaffino 66’ e Ghiggia 79’; Friaça 47’)