Record (Portugal)

JESUS ABR E O LI VR O

O técnico abordou a invasão dos adeptos à Academia de Alcochete, a saída do Sporting, a relação com Bruno de Carvalho e a tentativa de Sousa Cintra em ‘resgatá-lo’ da Arábia Saudita

- ENTREVISTA CM TV

“Quem vai ser o grande capitão do Sporting é o Bruno Fernandes”

“Não fecho a porta a nenhum clube português“

“Sousa Cintra tentou tudo para eu voltar“

Como estão acorreras coisas na Arábia Saudita?

JORGE JESUS – Estão a correr dentro da normalidad­e. É um clube com uma estrutura de nível alto. Também conheci os jogadores, não o plantel completo, porque nove jogadores estiveram no Mundial e só regressam aos treinos aqui na Áustria no dia 19. Passei de um clima de todos os dias com 40/50 graus para a Áustria, onde está constantem­ente a chover. É engraçado, mas o ser humano adapta-se a tudo.

É impensável o Al Hilal não ser campeão. Mas qual é o seu objetivo: a Liga dos Campeões? JJ – Sim, esse é o grande objetivo dos dirigentes. Mas não foram os objetivos desportivo­s que me levaram para a Arábia Saudita. Foi sim o momento especial em Portugal que me fez pensar que tinha de mudar, porque não podia continuar, e foi um projeto que apareceu logo naquele momento, quando ainda estava com os sentimento­s perturbado­s. E pela forma como o presidente me convidou ,senti que me queria muito. Foi três vezes a Portugal e só me convenceu à terceira. É um apaixonado por futebol e isso acabou por me convencer. Mas foi uma decisão muito rápida. Quis sair do Sporting o mais ra- pidamente possível?

JJ – Eu sabia o que não queria. Mas não sabia o que queria. O que não queria era continuar no Sporting, face a todas as complicaçõ­es que acontecera­m e o ambiente que se gerou à volta da final da Taça de Portugal. Sem razão de queixa dos adeptos, que sempre me acarinhara­m. Recuperámo­s o Sporting em termos de mística e de orgulho. Fizemos o Sporting ser uma equipa novamente competitiv­a, em três anos disputei o título até às últimas jornadas em dois deles. Mas sabia que não podia continuar.

Sabe-se que Sousa Cintra quis que voltasse. Não podia ter voltado atrás?

JJ – Podia. Isto não é desprestíg­io para o meu amigo José Peseiro, é um grande treinador e vai fazer certa- mente uma época brilhante no Sporting. Mas é verdade que o presidente tentou de tudo para que eu voltasse. Até tentou falar com a Embaixada portuguesa, porque eu não tinha o meu passaporte, para poder regressar. Mas há coisas mais im- portantes. E eu dei a palavra ao presidente do Al Hilal, e não podia atraiçoá-lo. O meu coração dizia-me para voltar, mas o meu caráter e a minha dignidade foram mais fortes. Todos os dias me tentou demover, mas ainda sou do tempo em que a palavra é mais importante do que a assinatura. A dignidade e caráter vão continuar comigo até final.

A sua cláusula de confidenci­alidade abrange o quê?

JJ – Acho que ainda está em vigor, apesar de achar que juridicame­nte não tem nenhum valor. Já pedi ao meu advogado e ao presidente Sousa Cintra para anularem a cláusula. Ele disse-me que está a trabalhar com os advogados do Sporting e com o meu para tratarem disso. Essencialm­ente, não posso falar de coisas que possam denegrir a imagem do Sporting.

Bruno de Carvalho disse, emjeito de aviso, que não tem essa cláusula. Foi uma ameaça?

JJ – Se quiserem falar do grande clube que é o Sporting Clube de Portugal... É o meu princípio, não era depois de sair que ia dizer mal do Sporting. Nem do presidente nem de ninguém que estivesse na estrutura do clube.

Qual foi o momento mais triste? Fala da final da Taça. Mais do que o episódio em Alcochete?

JJ – Sentimenta­lmente muito mais. Nem tem comparação. Enquanto a situação de Alcochete foi uma situação agressiva, que a mim não me intimidou em nada nem mexeu com os meus sentimento­s. Não tive medo absolutame­nte de nada. A final da Taça foi diferente, foi um sentimento de sentir que os adeptos do Spor-

“O PRESIDENTE SOUSA CINTRA TENTOU DE TUDO PARA VOLTAR. ATÉ FALOU COM A EMBAIXADA PARA EU PODER REGRESSAR” “PARECIAM IMAGENS DO LÍBANO OU DO DAESH. AQUELE FUMO TODO NO BALNEÁRIO E A DIZEREM QUE NOS IAM MATAR A TODOS”

ting e os jogadores não mereciam tudo o que se passou. O que fez com que a equipa não estivesse em condições para disputar a final. O senhor Fernando Gomes, presidente da FPF, ligou-me a pedir a minha opinião sobre se a final deveria ser disputada no domingo. O que respondeu?

JJ – Se houve final... Daí arrepender-me da decisão. Eu disse que devíamos jogar, que a final é uma festa. Os adeptos de Sporting mereciam a final e o ambiente de festa. Eu a pensar no ambiente e cenário da final da Taça. Não olhei muito para o plano desportivo do Sporting, mas pensei, sim, no que significar­ia anular a Taça devido ao episódio. Íamos dar força a uma situação da qual não devíamos ter medo. Mas é verdade que os jogadores não estavam em condições, há nove dias sem se treinarem. A invasão a Alcochete não tem justificaç­ão desportiva e penso que esse ato deve servir para as claques portuguesa­s perceberem que ter paixão por um clube não são esses atos. Não intimidam ninguém, os jogadores não vão correr mais.

Este grupo de adeptos decidiu quem ia bater aquem. Fica chocado com isto? JJ – Não é novidade nenhuma. Já fui treinador de algumas equipas em que as claques tentaram ir às academias, mas não assim, de cara tapada, parecia um pelotão de combate. Mas quando entraram na Academia, foram direitos ao campo de treino, onde estava sozinho. ‘Está ali o míster, não é com ele, vamos às cabinas’. E começam a correr e eu fui atrás deles, para aquele filme todo. Acha que o comportame­nto da direção provocou ou incitou este ataque? JJ – Como disse, não quero juntar pessoas no meio desta situação, porque as instituiçõ­es em Portugal ainda estão a tomar conta do assunto. Há pessoas presas, por isso não vou fazer juízos de valor, mas o meu sentimento fica para mim. Tem alguma ideia sobre o assunto...

JJ – Se enquanto estive em Portugal não tive uma opinião, não é depois de sair que vou comentar. Não é da minha personalid­ade. Quando tomo decisões, gosto de confrontar as pessoas. Por isso fico por aqui. No dia da final da Taça já tinha decidido sair do Sporting?

JJ – Não tinha decidido, mas sabia que dificilmen­te me manteria no Sporting. Apesar de ter mais um ano de contrato, toda a gente sabe que pedi para sair. E disse a quem mandava que não queria nem um euro do Sporting Clube de Portugal e que me deixassem sair.

Acha que a sua decisão influencio­u os jogadores aavançarem­para as rescisões? JJ – Não. Abdiquei do meu contrato, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Mas a saída do líder pode ter condiciona­do os jogadores...

JJ – Não. Vocês não imaginam o que aconteceu durante aqueles cinco minutos no balneário. Parecia um filme de terror. Às vezes pareciam as imagens do Líbano ou do Daesh. Aquele fumo todo no balneário, a dizerem que nos iam matar a todos. Como disse, sei compreende­r a gravidade dos acontecime­ntos, mas para mim foi igual ao litro, porque é o meu ADN. Até estava no campo e quando vi o grupo a entrar para os balneários, fui a correr atrás e metime no meio daquele desespero todo. Não tive medo nenhum, é o meu ADN. *

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JORGE JESUS
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