Saudades de Jesus
NÃO É UM ERUDITO NA LÍNGUA DE CAMÕES, PORÉM, TODOS O COMPREENDEM A ENTREVISTA DA CM TV EM DIRECTO DA ÁUSTRIA FOI UM GRANDE MOMENTO DE TELEVISÃO. TEVE A CONVERSA DO FUTEBOL E MOMENTOS EMOCIONAIS
Devo à CM TV mais de duas horas bem passadas nesta semana. Como escrevi quando ele decidiu partir para a Arábia Saudita, Jorge Jesus faz falta ao futebol português. Conhece todos os lados do jogo, os visíveis e os mais obscuros, porque, como ele sabe como ninguém, não é só a astúcia dos treinadores nem o talento dos jogadores que ganham títulos. Há muita coisa a ser rendilhada fora de campo e tenho para mim, ideia que partilho com Dias Ferreira, que o Sporting perdeu dois campeonatos nos últimos três anos por diversos casos, disparates, inépcias comunicacionais, fenómenos do Entroncamento (chamemos-lhe assim) e perda de influência (uma realidade de mui- tas décadas no clube) em diversos centros de decisão.
Por isso, a entrevista da CM TV em directo da Áustria foi um grande momento de televisão. Teve a conversa do futebol, teve momentos emocionais, teve aquele lado, que muitos por cá esquecemos, das saudades do emigrante que vai lutar pela vida mas deixa na terra amada os seus amigos e senti que, para lá do interesse da entrevista no global, com Jesus, podíamos percepcionar qualquer outro português que em todos os cantos do mundo tenta a todo o custo passar um pouco do seu tempo a ouvir a voz e os sorrisos que nunca esquecerá por onde quer que ande. E não esqueço que quatro homens que eu respeito, o José Manuel Freitas, o Octávio Machado, o Jorge Amaral e o Paulo Futre, souberam ser os parceiros de coração que deixaram brilhar o entrevistado, pontuando os momentos com humor, boas perguntas, com lágrimas também, que conseguiram envolver todos os espectadores, fortalecendo assim a comunidade CM TV.
Mas passando ao que mais interessa,
Jorge Jesus voltou ao que nos habituou. Não é um erudito na língua de Camões, porém, todos o compreendem. E isso é uma arte só ao alcance dos bons comunicadores. Como é seu apanágio, apenas com a tal cláusula de confidencialidade que tem de cumprir, abriu o livro e soube orquestrar o ameaçador bailado dos espectros. Isto é, a partir de agora, todos sabemos que, se Sérgio Conceição, Rui Vitória e José Peseiro falharem, ele é o principal candidato à sucessão. Matou o seu lado de associado do Sporting e disse bem claro, sem entrelinhas, que está disponível para os três grandes, por isso os adeptos do Sporting que se desenganem da proximidade do ex-técnico com um candidato, pois isso não vale nada. Ele é um profissional e optará sempre por quem lhe der mais condições para ganhar títulos e, naturalmente, para fechar o ciclo faltará respirar os ares da Invicta. No entanto, esta reaproximação a Vieira, a ida de Carrillo para o deserto, a construção do novo plantel do Benfica que voltou a beber bastante no mercado sul-americano, com alguns jogadores à sua imagem, leva-me a crer que Rui Vitória é quem deve estar a sentir mais a espada de Dâmocles sobre a sua cabeça.
Uma nota final para o excelente momento que se viveu no evento Sporting Talks. Muitas ideias, bons oradores, bom espírito e ambiente, um louvável evento criado pelo Miguel Poiares Maduro, um homem inteligente e bem intencionado, com quem teremos de contar para o futuro. Voltarei a esse futuro e às questões da comunicação, um dos maiores pecados do Sporting há décadas, no próximo artigo.
Texto escrito na antiga ortografia