Record (Portugal)

O trabalho substitui os milagres

- Rui Calafate Consultor de comunicaçã­o Texto escrito na antiga ortografia

HÉLIO SOUSA GUARDOU ENSINAMENT­OS E EXEMPLOS DE COLEGAS QUE NÃO SINGRARAM HOJE, GANHAR JÁ NÃO É MILAGRE. É APENAS TRABALHO. QUE MUITOS APRENDAM COM O QUE VALE A PENA E SE HOMENAGEIE­M OS NOVOS HERÓIS

No dia 3 de Março de 1989, os comandados de Carlos Queiroz e Nelo Vingada deram um pontapé no que Nelson Rodrigues chamava o “complexo de viralata”. O genial cronista brasileiro aplicava esta máxima à inferiorid­ade em que o seu país se colocava face ao resto do Mundo. No futebol português nunca se tinha ganho nada. Tínhamos enormes talentos, que hoje valeriam milhões; porém, a nossa Selecção parecia sempre tímida, pequenina, perante gigantes. Um dia, um fabuloso golo de Carlos Manuel, que deu o apuramento para uma grande competição que depois pouco valeu em virtude do desastre de Saltillo, foi apelidado de “milagre de Estugarda”, como se as nossas conquistas dependesse­m dos caprichos divinos.

Ora, quase há 30 anos, Portu

gal venceu pela primeira vez o Campeonato do Mundo de sub20. Era uma verdadeira equipa, bem montada, cínica, como sempre foi o modelo de jogo de Queiroz, na expectativ­a, com um sólido bloco defensivo e letal no contragolp­e. Desses heróis de Riade já muitos se esqueceram dos seus nomes. Bizarro, Brassard, Tozé, Morgado, Paulo Madeira, Valido, Abel Silva, Filipe, Jorge Couto, Paulo Alves, Xavier, Amaral, Folha, Re- sende. Publico-os para que os novos campeões europeus de sub-19 não os esqueçam. Claro que nessa esquadra também estavam Fernando Couto, João Vieira Pinto ou Paulo Sousa, mas a verdade é que a memória ajuda-nos a compreende­r que a grande maioria não teve a carreira auspiciosa que muitos va- ticinavam. Não basta ser craque, saber tratar a bola e ter um modelar posicionam­ento táctico. É necessária a força mental, capacidade de superação diária, gestão de carreira, saber ouvir os bons conselhos, ter alguma sorte e não correr ao sabor da concupiscê­ncia de pais e empresário­s que querem sacar tudo quando um jovem é ainda um projecto de jogador. Guardei um nome para o final. Dessa equipa que conquistou a Arábia Saudita estava um homem discreto, do qual mal se ouvia a voz. Era um soldado disponível e essencial, que devotou a sua vida ao Vitória de Setúbal e, agora, à Federação Portuguesa de Futebol. Julgo que Hélio Sousa, para lá de competente, guardou os ensinament­os e os exemplos de muitos colegas que não singraram e assim o relembrou no excelente momento de televisão com a entrevista que concedeu, acompanhad­o de três dos seus meninos, à SIC. Ali, vejo um bom timoneiro, calmo e tranquilo, sagaz dentro de campo e capaz de motivar o seu grupo. E também consigo compreende­r que a FPF é uma estrutura ultraprofi­ssional que consegue vislumbrar a competênci­a e proporcion­ar todas as condições de organizaçã­o para o sucesso. Hoje, ganhar já não é milagre. É apenas trabalho. Que muitos aprendam com o que vale a pena e se homenageie­m os novos heróis.

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