Record (Portugal)

O capitão da paz e do sonho

SERÁ VITAL QUE A VARANDAS SEJA CONCEDIDA UMA MORATÓRIA SUFICIENTE PARA CRIAR A ESTRUTURA DO FUTEBOL E PARA REFINANCIA­R O CLUBE. DEPOIS, SIM, PEÇAM-LHE CONTAS DOS TÍTULOS E DAS CONTRATAÇÕ­ES

- BRUNO PRATA

Frederico Varandas, um jovem de 38 anos que tanto pode ser retratado em função da patente de capitão do Exército (que já o levou a uma comissão de serviço no Afeganistã­o) como da licenciatu­ra pela Faculdade de Ciências Médicas da Universida­de e Academia Militar e da Pós-Graduação em Medicina Desportiva, foi o escolhido para congregar e sarar as feridas de um Sporting que, nos últimos meses, desceu ao inferno e se transformo­u numa consciênci­a permanente­mente atormentad­a. A generalida­de dos sócios do Sporting mostrou ter percebido, finalmente, que um líder não se pode resumir a um falso e perigoso vendedor de quimeras. E a depressão coletiva provocada por um populista sem restauro possível, bem como o definhamen­to que aparentava tornar a redenção quase impossível, parecem estar, agora, em vias de serem debeladas em Alvalade, ou não tivesse a resposta nas urnas tido tanto de cristalina como de profilátic­a – bem expressa, de resto, na maior participaç­ão eleitoral que alguma vez se tinha observado num clube português. Viu-se isso nos 42,32 por cento dos votos concedidos a Frederico Varandas, proporção que contraria totalmente as antepostas teorias

de balcanizaç­ão de quem esperava um fracioname­nto em apenas unidades muito menores. Viu-se também nos 36,84% de votos que foram atribuídos a um João Benedito que foi, igualmente, uma lufada de ar fresco em Alvalade, até na forma elevada e pura com que se associou e brindou (com as palavras) à vitória de Varandas. Haverá quem valorize mais a circunstân­cia de o novo presidente só ter tido uma vantagem de apenas 5,48 por cento de votos para Benedito, ou a circunstân­cia de este último ter ficado em segundo lugar, mesmo tendo mais mil votantes. Mas parece bem mais pertinente e notável que, mesmo com sete concorrent­es (reduzidos a seis nos últimos dias), praticamen­te 80 por cento dos votos tenham sido distribuíd­os por dois candidatos que tiveram o condão de se igualar na juventude (Benedito também só tem 39 anos), nos programas esmerados, nas equipas com gente habilitada e expedita e nos discursos de uma forma geral coerentes e proficient­es. Não tentaram balouçar os adeptos com sermões populistas, nem lhes ace- naram com contrataçõ­es sonantes ou com a multiplica­ção dos pães. Afirmaram-se ambos em função das ideias convictas, dos ‘staffs’ propostos, do passado honroso que ambos têm no clube e do amor ardente pelo Sporting que os une. Varandas foi o eleito e ficou-lhe muito bem a forma nobre como deixou claro que o Sporting vai continuar a precisar de Benedito, até porque os heróis dos adeptos devem ser sempre bem acolhidos. As propostas de ambos provavelme­nte não serão suficiente­mente coincident­es para que se possa pensar numa agregação pós-eleitoral, pelo menos nos próximos tempos. Mas, mais importante do que uma aliança inautêntic­a, foi os sócios e adeptos terem enxergado que o clube tem alternativ­as (sublinhe-se o plural) capazes de fazer o Sporting reencontra­r-se com a sua história. E isso continuará a ser verdade, mesmo que Bruno de Carvalho e a sua cada vez mais reduzida legião de devotos continuem em negação. O futebol tem esta estranha capacidade de transforma­r em (falsos) paladinos pessoas que, de outra forma, não seriam absoluta- mente nada. Mas, felizmente para o Sporting, a trampolini­ce foi descoberta e abolida a tempo de alguém poder ainda colar os cacos.

O Sporting está numa espécie de

ano zero e Varandas tem dado sinais de saber que um líder não pode ser somente um vendedor de esperança e um congregado­r, por muito que isso seja hoje fundamenta­l em Alvalade. Até porque, daqui a uns tempos, o 43.º presidente do Sporting estará, já se sabe, é a ser julgado em função dos resultados desportivo­s no futebol. Mas os adeptos leoninos precisam de interioriz­ar, de uma vez por todas, que o Sporting teve 5 presidente­s nos últimos 10 anos e 11 desde 1986, quando saiu João Rocha (Luís Filipe Vieira é presidente do Benfica há 15 e Pinto da Costa dirige o FC Porto há 36), o que tem obrigatori­amente de ser correlacio­nado com o ‘jejum’ de 17 anos sem títulos de um Sporting que só venceu quatro ligas nos últimos 44 anos. Por isso, será fundamenta­l que a Frederico Varandas seja concedida uma moratória suficiente para criar a nova estrutura para o futebol, refinancia­r o clube (o êxito do próximo empréstimo obrigacion­ista será primordial, bem como a batalha jurídica ou a negociação com os clubes que receberam os jogadores que rescindira­m), reestrutur­ar o passivo bancário, a formação e o ‘scouting’. Depois, sim, peçam-lhe contas dos títulos e da política de contrataçõ­es.

JOÃO BENEDITO TAMBÉM FOI UMA LUFADA DE AR FRESCO EM ALVALADE

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 ??  ?? Sousa Cintra nunca seria um presidente deste tempo, mas a sua bonomia e positivida­de foram cruciais para ajudar o Sporting a regressar à normalidad­e. Um serviço inestimáve­l.
Sousa Cintra nunca seria um presidente deste tempo, mas a sua bonomia e positivida­de foram cruciais para ajudar o Sporting a regressar à normalidad­e. Um serviço inestimáve­l.
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