Benfica, que fazer?
Pedro Adão e Silva Professor Universitário
Quando, em março, foi conhecido o teor da investigação E-Toupeira e constituídos os primeiros arguidos, escrevi que era com muito desconforto e ainda mais tristeza que assistia à sucessão de investigações judiciais envolvendo o meu Benfica. Na altura, acrescentei que não desvalorizava nada as notícias e que me parecia péssima ideia que a comunicação do Benfica optasse por apontar o dedo a adversários. Do Benfica esperava apenas um desmentido cabal e definitivo de tudo o que era noticiado. No que é mais importante, acrescentei que o tempo da Justiça não tinha de ser igual ao tempo da apreciação pública e que uma coisa é o que os tribunais decidirão, outra, bem distinta, é um juízo moral que os sócios poderiam fazer assim que fosse conhecida a acusação.
Nasemana passada foi deduzida a acusação de umdos vários processos que envolve o Benfica, a sua SAD e alguns dos seus dirigentes. Li a acusação e não vou fazer como a toupeira, enfiar a cabeça debaixo da terra e fingir que não se passa nada. Tudo indica que houve uma violação reiterada e sistemática de processos em segredo de Justiça, do interesse do Benfica. Mais, um funcionário da SAD – no passado apresentado como alguém nuclear na estrutura profissional do clube e que, até há bem pouco nos representava, por exemplo, nas reuniões da Liga – terá tido conhecimento detalhado do conteúdo destas violações. São factos gravíssimos e que não têm atenuantes. Se a acusação é clara neste aspeto, é de uma enorme fragilidade na forma como estabelece um nexo entre violação do segredo de Justiça e responsabilidade da SAD e dos seus administradores. Como tem sido afirmado por variados juristas, neste aspeto – central para que possam ser imputadas penas acessórias com consequências desportivas – a acusação dá um passo maior do que a perna. Por isso mesmo, é fundamental a fase de instrução e os órgãos sociais do Benfica estão dependentes de um eventual despacho de pronúncia de um juiz de direito.
Até lá, enquanto sócio do Benfica, há duas ou três coisas que resultam claras: Paulo Gonçalves não pode continuar a exercer funções na SAD. Quem representa o Benfica, cuja soberania radica, em última análise, nos sócios, tem a obrigação de pôr a instituição à frente dos seus interesses particulares (para já, para se defender das acusações de que é alvo). Terminada a fase de instrução, e caso a SAD venha a ser pronunciada, os sócios terão de se manifestar sobre os destinos do clube. Aliás, eleições antecipadas serão do interesse do próprio Luís Filipe Vieira, que se recandidatará. Já se sabe que terá em Rui Gomes da Silva um adversário. É para mim óbvio que terá de surgir uma terceira via que aposte na regeneração ética do clube, mesmo que, no essencial, mantenha as apostas estratégicas quanto ao modelo de negócio seguido na última década.