Record (Portugal)

Jogar mal é fácil

APETECE DIZER QUE OS TÉCNICOS NÃO PODEM CASTRAR AS SUAS EQUIPAS RETIRANDO-LHES QUEM MAIS GÉNIO OFERECE. JOGAR BEM NUNCA PODE SER FRUTO DE UMA CASUALIDAD­E

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NÃO É TANTO O BENFICA QUE ESTÁ MELHOR, MAS SIM O FC PORTO QUE REGREDIU

O duelo na Luz corroborou a ideia de que não é tanto o Benfica que está melhor, mas sim o FC Porto que regrediu, como se o seu futebol arrebatado tivesse mirrado por falta de potência. E, olhando para a falta de pompa e jactância, nem será desproposi­tado arriscar que ambos viram deteriorad­a a qualidade futebolíst­ica. O jogo resumiu-se a três fases: ataque (três ou quatro jogadas com princípio meio e fim), defesa (ninguém abdicou nunca de seis ou sete jogadores lá atrás) e tentativas estéreis de bolas paradas e contragolp­es. Tudo demasiado arrastado, colérico, impreciso e… aborrecido. O total de 44 faltas é uma exorbitânc­ia e significa que o árbitro, só nessa matéria, apitou quase de dois em dois minutos, em média. Se excluirmos o lance do golo, o momento do jogo é bem capaz de ter sido o amarelo mostrado a Maxi (minuto 56’), por condiciona­r ainda mais um jogador que é hoje uma cópia baça do que já foi (o que faz notar mais as deserções de Ricardo Pereira e Dalot) e por ter provavelme­nte contribuíd­o, dois minutos depois, para a decisão de Rui Vitória de fazer entrar Rafa, que funcionou quase como uma erupção nuclear. E seria por aquele corredor esquerdo que, quatro minutos volvidos, o Benfica construiri­a o lance do golo do renascido Seferovic, embora aqui até tenha sido mais Felipe a destacar-se pelo mau posicionam­ento.

Ou seja, voltou a confirmar-se

que aquele corredor é o verdadeiro motor do futebol do Benfica, muito por força das ações associativ­as de Grimaldo com Cervi/Rafa e Pizzi (que domingo caiu mais naquele lado, como se viu na assistênci­a para o golo). Aquela meia dúzia de minutos justifica um (raro) panegírico ao técnico benfiquist­a. Porque Vitória teve, pelo menos, o mérito de perceber que era ali, e naquele preciso momento, que o adversário tinha ficado exposto. Conceição reconheceu-o tardiament­e, quando, oito minutos após o golo, substituiu Maxi. E a tentativa de que o recém-entrado Corona fizesse todo o corredor foi faina demasiada para um mexicano pouco rotinado a ter de partir tão lá de trás. Vitória levou assim a melhor

O maior atestado de incompetên­cia que se pode passar a Benfica, FC Porto e Sporting é mostrar-lhes que outros, com meios escassos, oferecem hoje melhores espetáculo­s. Quem tiver dúvidas que olhe, por exemplo, para o Portimonen­se ou reveja o Braga- Rio Ave

numa minudência estratégic­a que acabou por se revelar determinan­te. Mas até tinha sido Conceição a marcar mais pontos no plano de voo inicial. Aquele 4x2x3x1, com Marega na direita, Herrera mais subido e Otávio quase na linha de Danilo, já tinha sido ensaiado nos instantes finais de alguns jogos. Percebeu-se a ideia de Herrera condiciona­r a primeira fase de construção do Benfica e a tentativa de Otávio (que é o único portista que melhorou esta época, parecendo até mais apto para o combate físico) funcionar como uma lançador para as costas dos defesas adversário­s, num ataque à profundida­de que cedo custou um amarelo a Lema (o facto de se ter desenrasca­do no jogo aéreo é o mínimo exigível a quem mede 1,90 m, porque no resto foi sendo ‘salvo’ por Rúben Dias, que trabalhou por dois). Mas esta opção, mesmo no seu melhor período (primeira parte), só resultou pela metade: o FC Porto tinha melhor reação à perda, ganhava as segundas bolas e parecia mais confortáve­l naquela guerrilha urbana em que o jogo foi lançado, mas depois também acusava a falta de ideias quando tinha a bola, até porque Alex Telles, Herrera, Brahimi e Marega estão a anos-luz do que ofereciam na época passada e Soares ainda acusa falta de ritmo. O que levanta, pelo menos uma questão: se a ideia era ter perto de Danilo alguém que tanto possa lançar como variar o centro de jogo e oferecer outra capacidade construtiv­a por que razão não se recupera e molda Óliver, o médio com mais classe pura do FC Porto – o que até permitiria dar a Otávio outras funções? Os treinadore­s não podem castrar as suas equipas retirando-lhes aqueles que mais génio oferecem. Ou alguém acredita que Guardiola, que este fim de semana até arriscou jogar com Bernardo Silva a médio interior, alguma vez mandaria para a bancada um prodígio como é Zivkovic, como fez Rui Vitória frente ao FC Porto?

Ninguém pede que Vitória e Conceição abdiquem do modelo que abraçam, mas que admitam que os seus conceitos podem evoluir e florescer. E que é sempre possível percorrer outros caminhos. Porque o Benfica e o FC Porto devem apresentar equipas capazes de oferecer não só humildade, energia e estratégia, mas também grandeza. E foi essa eloquência futebolíst­ica que escasseou na Luz, com responsabi­lidade nisso de dois treinadore­s que viveram excessivam­ente com a necessidad­e de garantirem a superiorid­ade das suas tropas defensivas. Porque jogar mal é fácil, mas jogar bem nunca pode ser fruto de uma casualidad­e. Custa ver, por exemplo, a excessiva preocupaçã­o que este Benfica tem com as referência­s individuai­s (bem visível quando André Almeida se deixa arrastar, cada vez mais, pelo seu adversário mais direto). E muita gente se interroga como é que o FC Porto 2017/18, que era um Porto Vintage, encorpado e com caracterís­ticas excecionai­s, se converteu esta época numa espécie de Porto Lágrima, como se fosse pouco fermentado e resultado do primeiro sumo do lagar.

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