A Liga dos primeiros e outras histórias
O PROBLEMA DO FC PORTO NÃO SE ESGOTA NOS NÚMEROS, NOMEADAMENTE NOS DOIS JOGOS PERDIDOS EM SETE JORNADAS. O CAMPEÃO PERDEU FULGOR E ISSO É UMA EVIDÊNCIA
Um matemático ou um mero apreciador de estatística diria que há neste momento um sério problema com o campeão nacional e sustentaria a ideia de uma forma simples: o FC Porto perdeu 28,5% dos jogos que realizou na Liga 2018/19. Ou seja, perdeu 2 em 7. Um observador que olhe para esta primeira fase da temporada, e consiga ver além da matemática, dirá que o problema não se fica pelos números. Que o campeão perdeu algum fulgor físico trata-se, julgo, de uma evidência.
Mas háoutros motivos paraa quebra: Ricardo Pereira, hoje na Premier League, talvez fosse mais importante do que parecia à vista desarmada. Pode um clube da dimensão do FC Porto sentir tanto a perda (venda) de um defesa? Sim, se esse jogador tiver as características adequadas para um perfil de jogo coletivo que exige dois laterais em ‘excesso de velocidade’ durante 90 minutos. Ricardo era, desse ponto de vista, a ‘moto perfeita’ para Sérgio Conceição. Por fim, há peças fundamentais, como Brahimi, Herrera ou Marega, em claro sub-rendimento. Talvez porque tivessem a expectativa de já estarem, a esta hora, em Ligas mais interessantes, e ricas, como a francesa, a espanhola ou a inglesa. O sistema de jogo mantém-se, Militão (que central!) foi um tiro certeiro e, genericamente, a qualidade média mantém-se. A chave da questão pode estar, apenas, nesta aparente ‘falta de apetite’.
Jáno Benfica, ao invés, afome (de títulos) parece estar de volta. Quem, na Luz, batizou esta como a temporada da “reconquista” é capaz de ter sido feliz: a forma como as águias se têm comportado nestes primeiros jogos revela a ambição que faltou, por exemplo, na fase decisiva de 2017/18. Mas não só: convenhamos que a baliza está agora muito bem entregue e que, da defesa para a frente, há uma va- riedade de (boas) soluções que costuma ser decisiva nas corridas de longo curso. O Benfica jogou sempre, até ver, no 4x3x3 que Rui Vitória começara a ensaiar na época passada e as coisas têm corrido bem. Falta saber, ainda assim, como vai ser possível manter a cara alegre a Seferovic, Jonas, Castillo e Ferreyra se apenas um deles for chamado para cada jogo. Será quase inevitável que em muitos jogos, sobretudo na Luz, a equipa entre com uma dupla atacante e regresse assim ao 4x4x2. Uma palavra final para a confirmação da marca Seixal (Gedson e João Félix são as últimas pérolas) e muita expectativa quanto ao regresso do ‘reforço’ Krovinovic. Pronto para tanta dor de cabeça, míster?
Jáo Sportingé candidato, sim, mas pouco. É preciso admiti-lo com frontalidade e sem medo das palavras. A derrota de Portimão não fez os adeptos descerem à Terra porque, na realidade, o nível esteve sempre muito longe de subir aos céus. José Peseiro tem uma missão que, não sendo impossível, é demasiado complexa. E como as coisas são o que são, a qualidade de jogo revelada em campo está ao nível do plantel: mediano, sem conseguir entusiasmar. A capacidade competitiva caiu e algumas vitórias tardias, quase em cima da hora, apenas têm servido para camuflar as deficiências e os desequilíbrios que existem em Alcochete. Como se não bastasse, o melhor jogador dos leões, Bruno Fernandes, admite que precisa de subir o nível e o goleador das últimas épocas, Bas Dost, está no estaleiro há várias semanas. A boa notícia deste início de época é mesmo Jovane, que tem tido, sozinho, a capacidade para resolver alguma problemas de ordem estrutural. Peseiro precisará de fazer um qua- se-milagre para que o Sporting ainda venha a ser um candidato de corpo inteiro, estatuto que o Sp. Braga tem feito por merecer e que, na verdade, está a justificar. António Salvador tem mais motivos para estar feliz do que propriamente Frederico Varandas. O excelente recheio que existe no plantel dos arsenalistas e a sagacidade tática (e estratégica) de Abel Ferreira são bons motivos para acreditar que há mesmo um caso sério no Minho. Ideias sólidas, futebol com identidade, vontade assumida de jogar ‘à equipa grande’ e muita ambição, sem nunca cair na fanfarronice. O Sp. Braga deve, pois, ser levado muito a sério.
Nota final para alguns destaques. Do ponto de vista coletivo, a confirmação de que há um projeto de crescimento em Vila do Conde capaz de resistir à saída de treinadores com a qualidade que tinham, e têm, Nuno Espírito Santo ou, mais recentemente, Miguel Cardoso. Este Rio Ave tem muitos méritos, mas o maior elogio que se lhe pode fazer é este: joga olhos nos olhos com qualquer adversário. E em qualquer estádio. O Santa Clara, de João Henrique, é outra das boas notícias desta Liga. Não só pelos pontos, mas também pela vontade de deixar uma marca (de jogo) positiva. Quanto às referências individuais, fora da órbita dos grandes, quatro nomes a merecer muita atenção: Nakajima (Portimonense), Galeno e Vinicius (ambos do Rio Ave) e Hildberto (V. Setúbal).