André Silva pisca o olho à estatística
JÁ CONVENCEU QUEM LHE APRECIA O ESTILO DE QUE É UM ENORME FUTEBOLISTA; PRECISA AGORA DE DAR SEGUIMENTO AO QUE TEM FEITO EM SEVILHA. PORQUE SÓ COM GOLOS CONVENCERÁ O MUNDO DE QUE É UM AVANÇADO EXCECIONAL
Não
cumpriu no Milan o que mostrou no FC Porto e, em S. Siro, não deu seguimento ao excelente início de conversa que foi marcar 21 golos pelos azuis e brancos na época de estreia. Mas a questão é mais profunda e não permite olhar para os números despojados de sentido crítico. A culpa da dificuldade de afirmação no estrangeiro será, toda ela, dos jogadores portugueses? Será que André Silva, Renato Sanches, João Mário, Adrien, André Gomes e Nélson Semedo, só para falar em alguns, não têm, afinal, a qualidade que lhes atribuímos? Ou terão sido (são) prejudicados pela falta de sintonia nos clubes que os acolheram, vítimas de guerras incompreensíveis entre dirigentes que os contratam e treinadores que não os põem a jogar?
Está a ser muito fácil descartar jogadores portugueses pagos a peso de ouro, incluindo campeões da Europa. André Silva (AS) foi contratado por um AC Milan muito abaixo dos limites razoáveis; era um jogador promissor, com 21 anos, e já trazia um lastro de golos que, não sendo extraordinário, deixava antever carreira bem recheada. Viveu tempos difíceis porque Genaro Gattuso, o responsável milanista, não queria um avançado para marcar golos dentro de duas ou três épocas, antes desejava uma solução imediata. Resultado? Não teve paciência para cumprir um dos grandes objetivos de qualquer treinador: ensinar, ser pedagogo, na certeza de que a sua competência também se mede na evolução dos jogadores que orienta. Nada que surpreenda, porque os treinadores italianos passaram de moda e há muito se deixaram ultrapassar. Chamem-se Gattuso, Spaghetti, Tagliatella, Spaletti, Lasagna, Risotto ou Mancini, são todos feitos da mesma massa – e mesmo Allegri é caso para se ver.
Tal como em todas as funções específicas do futebol (
a de guardaredes é só a mais reconhecida), os avançados demoram a expressarse na plenitude do potencial revelado na juventude. Fenómenos à parte, precisam de tempo, treino e orientação pedagógica até conjugarem todos os elementos que fazem parte do manual. AS cum- priu os primeiros capítulos, os menos exigentes, aqueles para os quais necessita apenas de seguir o instinto muscular (integração no processo defensivo, sem medo do desgaste físico) e satisfazer os requisitos da solidariedade (estar sempre disponível para receber a bola e dar seguimento ao jogo).
Dá agora, perto de completar 23 anos,
passos seguros para acrescentar a esse estilo frenético, feito de entrega e participação, a serenidade, a técnica e o talento de concretizador. Pelo Sevilha tem, em 12 jogos, números parecidos com os obtidos em 40 presenças pelo Milan na época passada. Certo que são equipas e contextos distintos, e que é mais fácil marcar em Espanha; mas é preciso dar crédito ao jogador, ao passo em frente que está a dar na construção como ponta-de-lança, cujos 14 golos pela Seleção, conseguidos aos 22 anos, lhe permitem sustentar candidatura à história – ninguém marcou tanto tão cedo e em tão pouco tempo. Na estrela de AS começam a brilhar as pontas de paciência, precisão, maturidade, confiança e intimidação.
AS continua a pensar mais na equipa do que na
contabilidade pessoal; não desfez os traços altruístas de uma generosidade sem limites, própria de quem pensa mais no coletivo do que em si e revela a nobreza de recusar o egoísmo na zona de finalização. Nestes casos, parece criminoso o impulso que nos atira para a convicção de que, para alargar o reconhecimento, precisa de ser um cidadão pior; mas é a experiência que desenha a ideia segundo a qual não há grandes goleadores sem obstinação e despudor. AS já convenceu quem lhe aprecia o estilo de que é um enorme futebolista; precisa agora de dar seguimento ao que tem feito em Sevilha. Porque piscando o olho à estatística convencerá o Mundo de que é um avançado excecional.
SÃO 14 GOLOS AOS 22 ANOS NA SELEÇÃO – NINGUÉM MARCOU TANTO TÃO CEDO E EM TÃO POUCO TEMPO