Record (Portugal)

Bruno e o gueto das claques

É IMPENSÁVEL, UMA INSANIDADE, MAS PARECE CADA VEZ MAIS PROVÁVEL QUE O PRESIDENTE DE UM CLUBE TENHA ORDENADO AO LÍDER DA CLAQUE PARA ‘CAIR EM CIMA’ DE JOGADORES E EQUIPA TÉCNICA

- André Veríssimo Diretor do Negócios

Já se sabia que Bruno de Carvalho fora um instigador moral do ataque aos jogadores e equipa técnica em Alcochete. Agora ficámos a saber que há indícios de que terá sido também o ordenante. Se o antigo presidente acalentava alguma esperança de um dia voltar ao cargo, elas ruíram no domingo.

Anarrativa é de arrepiar. O presidente de um clube ordena ao líder da claque para que membros desta “caiam em cima” de jogadores e equipa técnica. Coisa que fazem, diligentem­ente, destruindo balneários e agredindo vários jogadores. É impensável, é uma insanidade, mas terá acontecido.

O quadro pintado pelas últimas notícias é digno do período mais negro de um Francisco Goya. Num célebre quadro do pintor, Saturno (ou Cronus) devorava os filhos para evitar que lhe tomassem o lugar. Bruno de Carvalho é suspeito de ter ordenado um ataque para dar uma lição àqueles que ameaçavam a sua autoridade.

Depois do ataque, Bruno de Carvalho esteve na televisão a dizer que foi um “ato criminoso”, que “foi chato” e que “jamais podia ser responsáve­l por um ato hediondo” como o que ocor- reu em Alcochete. Um juiz decidirá se o foi ou não.

Neste caso, há ainda a consi

derar os potenciais danos financeiro­s, relevantes num clube à procura de estabilida­de na tesouraria. Se a defesa do Sporting contra as rescisões de jogadores era o facto de a responsabi­lidade pelo ataque não poder ser assacada à direção do clube e da SAD, ela cairá por terra, caso se prove a autoria do presidente. Estão em causa 270 milhões de euros em indemnizaç­ões que o Sporting reclama e que se tornam uma miragem ainda mais distante. Há ainda 6,8 mi- lhões exigidos pelos quatro atletas com quem ainda não chegou a acordo e que o clube se arrisca a ter de pagar.

As claques. A discussão já na altura incidiu sobre elas e tem forçosamen­te de a elas regressar. É lá que estão os adeptos mais fiéis e dedicados, capazes de puxar pela equipa mesmo que a voz lhes doa, que a seguem para onde quer jogue e lhe dão um aconchego caseiro em terrenos hostis.

É só o que deviam ser, mas são mais. São um poder dentro dos clubes, capaz de condiciona­r a ação de presidente­s. São um gangue de intimidaçã­o à disposição de quem as lidera ou lidera os clubes. São albergue de grupos que cultivam a intolerânc­ia, a violência, e se dedicam ao crime organizado. É esta cultura de claque que urge mudar. Para isso é preciso intervir nos comportame­ntos e ter um regime dissuasor. Não basta legalizar as claques – a Juve Leo é legal e aconteceu o que aconteceu. Há nova legislação, esperase que traga outra eficácia.

A mudança tem de passar

também pelos presidente­s dos clubes. Frederico Varandas não se submeteu e a claque virou-lhe as costas. Fez bem e os factos deram-lhe razão. Talvez até mais do que o Estado, são eles que podem forçar outros comportame­ntos. Para que as claques deixem de ser um gueto violento dentro e fora dos estádios. O futebol ganharia imensament­e.

UM JUIZ DECIDIRÁ DA EVENTUAL RESPONSABI­LIDADE DE BRUNO DE CARVALHO

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