Record (Portugal)

O Miguel fez-me ser japonês

QUANDO JOGUEI NO YOKOHAMA FLÜGELS PERCEBI QUE OS ADEPTOS NIPÓNICOS TORCEM SEMPRE PELOS SEUS ÍDOLOS, MESMO QUE ESTES MUDEM DE CLUBE. AGORA, EU PRÓPRIO DOU POR MIM A FAZER O MESMO

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ATÉ CHEGAR A ESPANHA NUNCA TINHA VISTO UMA CORRIDA DE MOTOS, MAS LOGO COMECEI A ADORAR

Quando

saí de Portugal, aos 21 anos, a maior dúvida de grande parte da imprensa portuguesa e espanhola era sobre a minha adaptação a Espanha. Muitos diziam que, pela pressão que tinha em cima dos meus ombros, se me adaptasse rapidament­e triunfava no futebol espanhol; se assim não fosse, estava condenado ao fracasso – tinham toda a razão. Felizmente, as coisas correram bem, a adaptação foi perfeita e serviume de experiênci­a para os outros países onde joguei, como França, Itália e Inglaterra. Mas uma coisa é a adaptação a um país da Europa, outra é a adaptação social e também dentro do balneário a um país asiático com uma cultura completame­nte diferente da europeia – e isto são palavras fortes.

Quando chegueiao Japão,

em 1998, estava com 32 anos e sabia que ia fazer os últimos meses como profission­al de futebol. Por isso, levei tudo nas calmas, sem pressões e desfrutei daquela aventura dentro e fora do campo como um adolescent­e. Semanas depois de chegar, a imprensa japonesa começou a chamar-me o Maradona do Japão, porque fiz jogos incríveis, marcando golos e fazendo assistênci­as. Todas as manhãs treinava e era profission­al de futebol, durante a tarde era mais um turista nas ruas de Tóquio, que estava a pouco mais de 20 quilómetro­s de Yokohama. Como não podia ser de outra maneira, todos os dias era surpreendi­do com algum detalhe da cultura, caráter ou sentimento­s do povo japonês. Por exemplo, quando me disseram que muitos adeptos são da equipa em que está a jogar o seu ídolo. Por outras palavras, se o ídolo es- tivesse na minha equipa, o Yokohama Flügels, e mudasse para o rival Yokohama Marinos, eles também mudavam de clube, porque a sua paixão está no seu ídolo e vão com ele até ao fim do Mundo. Contaram-me esta história poucos dias depois de chegar ao Japão, mas tinha de ver para crer e isso aconteceu semanas depois.

Achoqueoún­icoeuropeu que

acreditou na loucura e fanatismo que sentem muitos adeptos japoneses pelos seus ídolos foi o presidente do Perugia, Luciano Gaucci, que contratou o Nakata. Os seus fãs deixaram de torcer pelo Bellmare Hiratsuka e passaram a ser do Perugia. No primeiro jogo de Nakata na Serie A, mais de 5.000 japoneses voaram de propósito até Itália para o ver jogar; nos restantes jogos, a média de nipónicos presentes em cada encontro andou à volta dos 3.000. Depois do Perugia, o Nakata e os fãs estiveram na Roma, Bolonha, Fiorentina, Bolton, e tudo continuou igual...

Recordo-me desta história por

dois motivos. Primeiro, porque em 2001 aconteceu-me algo incrível. Apaixonei-me pelo futebol americano e pela NFL quando tinha 17 anos – foi na primeira vez que fui aos Estados Unidos, numa digressão com a primeira equipa do Sporting, e a paixão por este desporto maravilhos­o dura até hoje. O meu ídolo era o Joe Montana, ‘quarterbac­k’ dos San Francisco 49ers. Quando ele se retirou, em 1994, continuei a torcer pelos 49ers até aparecer o Tom Brady em 2001, fazendo-me ser um pouco japonês. Este génio era, e continua a ser aos 41 anos, o ‘quarter- back’ dos New England Patriots. E desde o seu primeiro jogo a titular até hoje comecei a torcer pela sua equipa porque quero sempre que ele ganhe. O mesmo aconteceum­e com NBA, outro desporto que adoro. O meu ídolo era o mito Michael Jordan, que jogou quase toda a sua carreira nos Chicago Bulls, mas retirou-se como profission­al a jogar pelos Washington Wizards – e, claro, comecei a torcer pela sua nova equipa.

Osegundomo­tivoaindaé­mais grave porque

é um desporto individual. Se ainda tinha alguma dúvida sobre os japoneses, quando apareceu a notícia de que o meu ídolo mais recente, o Miguel Oliveira, ia dar o salto para o MotoGP, estas dúvidas acabaram. Até chegar a Espanha em 1987, nunca tinha visto uma corrida de motos, mas os espanhóis eram loucos por este desporto. Já tinham títulos mundiais e, como davam todas as corridas em direto, comecei a adorar as motos. O meu primeiro ídolo foi Jorge ‘Aspar’ Martínez, e desde 2000 que é o Valentino Rossi. O italiano foi nove vezes campeão do Mundo, sete delas na máxima categoria, e para mim é o melhor piloto da história. Mas o vice-campeão de Moto2, melhor piloto português de todos os tempos, o meu orgulho nacional e o meu mais recente ídolo –Miguel Oliveira –vai estar em MotoGP no próximo ano, na mesma grelha de partida de Rossi. Por esta razão, e como hoje, em Valência, é a ultima corrida da época, é o momento de dizer a frase: “Foi bom mas acabou, Valentino.” Os japoneses tinham mesmo razão. Parabéns Miguel e muita força, grandíssim­o campeão!

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