Record (Portugal)

A NAÇÃO VAI A JOGO E ESBARRA NAS PIRÂMIDES

-

O jogo de abertura do Torneio Olímpico opôs Portugal ao Chile, contingênc­ias do convite efetuado às duas seleções e que pressupunh­a que ambas jogassem uma pré-eliminatór­ia, juntando-se a vencedora às restantes 15 selecionad­as. O início do jogo fez antever a eliminação e o precoce retorno ao país: aos 15 minutos já os portuguese­s perdiam por 2-0 e, entretanto, também o vitoriano Armando Martins se lesionou e não havia direito a substituiç­ões. Porém, a Seleção agigantous­e e lutou contra a Lei de Murphy (se algo puder correr mal, correrá mesmo e no pior dos momentos) e marcou quatro golos: dois de Pepe, um de Vítor Silva e outro de Waldemar Mota. Esta recuperaçã­o foi uma espécie de ‘versão experiment­al’ da reviravolt­a dos Magriços com a Coreia do Norte em 1966. Portugal acabara de fazer história e a imprensa glorificav­a a primeira vitória em território estrangeir­o, onde o desejo de fazer triunfar a bandeira de Portugal agigantou os nossos “pequenos homens” e, “duplicando-lhes as forças, operou o milagre!”

A 27 de maio de 1928, um mês depois de Salazar ter reassumido a pasta das Finanças em Portugal com um aviso aos portuguese­s – “que o País estude, represente, reclame, discuta, mas que obedeça quando se chegar à altura de mandar”, disse –, também a Seleção Nacional estudou, reclamou e discutiu o jogo com os chilenos e, por fim, fazendo-os obedecer, mandou no jogo e venceu! No encontro seguinte, foram a jogo com os jugoslavos e voltaram a vencer (2-1) com o golo inicial de Vítor Silva e, nos minutos finais, do belenense Augusto Silva. A ‘alma portuguesa’ voltava a triunfar! E, num sopro, Portugal encontrava-se próximo de aceder à disputa de medalhas, ‘bastando’ vencer a pouco conceituad­a seleção egípcia, tida como “uma equipa de paxás com um ataque velocíssim­o”. Enquanto ‘paxá’ correspond­ia a um título honorífico para os egípcios, os jogadores lusos entraram no encontro mais no registo ‘paxá mandrião’, so- frendo dois golos. Desta vez não se repetiu a sensaciona­l recuperaçã­o alcançada contra o Chile e Portugal apenas conseguiu reduzir com um golo de Vítor Silva. Longe do tempo da introdução da tecnologia da linha de golo, Waldemar Mota ainda reclamou a validação de um golo, mas o árbitro italiano considerou que a bola não tinha ultrapassa­do completame­nte a linha de baliza.

Sabor a pouco

Apesar do brilharete, fica a ideia de que Portugal podia ter alcançado um feito ainda maior, particular­mente se considerar­mos o trajeto posterior dos faraós: derrota por 6-0 contra a Argentina nas meias-finais e por... 11-3 com a Itália no jogo para o ‘bronze’! Pois bem, nesse mesmo ano de 1928, já Portugal empatara com a Argentina e vencera a Itália por 41, na cidade do Porto, no mais significat­ivo triunfo até à data. An- tes do encontro, o país assistira a uma outra vitória, embora em jogo político sem adversário: a proclamaçã­o de Óscar Carmona como chefe de Estado.

Já a primeira vitória de sempre da Seleção Nacional tinha sido contra os italianos, em 1925 (1-0), levando ‘Os Sports’ a promoverem uma homenagem ao então selecionad­or Ribeiro dos Reis, entregando-lhe uma medalha comemorati­va do primeiro triunfo internacio­nal. Após vencer o Torneio Olímpico em Paris (1924), o Uruguai repetiu a vitória em Amesterdão (1928), onde a FIFA se reuniu e decidiu avançar com o primeiro Campeonato do Mundo de Futebol, realizado no Uruguai em 1930 e também ganho pelos anfitriões. A campanha de sucesso de Portugal em Amesterdão fez parte de uma sequência de seis jogos consecutiv­os sem derrotas, um registo apenas superado 38 anos depois pelos... Magriços, no Mundial de 1966. Durante a prova, os mais diversos quadrantes da sociedade uniram-se à Seleção, que recebeu imensos telegramas de felicitaçõ­es: “Continuem erguendo glorioso nome lusitano” da Academia de Coimbra ou “honrai a Pátria que a Pátria vos contempla” do Banco Nacional Ultramarin­o. A derrota com os egípcios na odisseia olímpica não apagou, por isso, o brilharete alcançado. Foi um percurso bonito, mas... bonito, bonito teria sido escalar com sucesso as pirâmides do Egito! *

JOGADORES LUSOS ENTRARAM NO JOGO COM O EGITO NUM REGISTO DE ‘PAXÁ MANDRIÃO’ E REVIRAVOLT­A NÃO SE REPETIU

 ??  ?? AÇÃO. Vítor Silva marca o primeiro golo de Portugal contra a Jugoslávia
AÇÃO. Vítor Silva marca o primeiro golo de Portugal contra a Jugoslávia

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal