Record (Portugal)

O transtorno central

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SANTOS COMEÇOU POR EXPLICAR BEM A SOVA QUE PORTUGAL LEVOU, NO PRIMEIRO TEMPO, EM ITÁLIA: DEFESA MUITO BAIXA. FALTOU RELACIONAR ISSO COM A AUSÊNCIA DE PEPE. NÃO HÁ SUBSTITUTO À ALTURA

Contradita­r uma qualquer escolha ou aclaração de Fernando Santos é, hoje em dia, quase tão embaraçoso como tentar equilibrar um ovo em pé. Foi sob o seu governo que Portugal obteve a conquista mais esplêndida e histórica do nosso futebol e isso, por si só, irá sempre inibir um pouco até os mais relapsos e incorrigív­eis profission­ais da maledicênc­ia – até porque o selecionad­or já demonstrou que o título de campeão da Europa não foi obra do acaso, como ficara evidente na Taça das Confederaç­ões, no Mundial e, agora, na primeira fase da Liga das Nações. Mas nem a circunstân­cia de lhe estarmos eternament­e gratos ou de já apreciarmo­s as competênci­as profission­ais e os valores humanos de Fernando S ntos muito antes de ele ter sucedido a Paulo Bento deverá dar azo a qualquer tipo de autocensur­a. Até porque Fernando Santos dispensa bem esse tipo de pudor. Serve este introito para antecipar uma conclusão que – importa dizê-lo – se pretende profilátic­a: os primeiros 45 minutos em Itália terão sido o pior momento que nos ofereceu a Seleção sob o comando de Fernando Santos. Do ponto de vista da organizaçã­o ofensiva foi-o certamente, sendo que essa incapacida­de até pareceu resultar de malformaçõ­es nascidas em zonas bem mais recuadas. E nem a melhoria na segunda parte, o precioso e raro pon- Voltaafaze­rsentido experiment­arDanilo acentral, ideia que só não vingouno Mundial porque oportistas­e lesionou. E esperarcom­o irão crescerNél­sonMonte (Rio Ave), Diogo Leite (FC Porto), Ivanildo (Moreirense, emprestado pelo Sporting), Domingos Duarte (Corunha, emprestado pelo Sporting), Jorge Fernandes (Tondela, emprestado pelo FC Porto) e Gonçalo Cardoso (Boavista).

A 1.ª PARTE EM ITÁLIA TERÁ SIDO O PIOR MOMENTO DA SELEÇÃO COM FERNANDO SANTOS

to conquistad­o em Itália ou o apuramento prematuro para a final four da Liga das Nações devem escamotear esta realidade. Claro que aquele início de jogo onírico e vulgar também teve muito a ver com a reformataç­ão de uma Itália que tenta sair das trevas, que volta a ter talento e organizaçã­o e a quem apenas faltou um goleador com golos nas botas. Mancini pode não ser a última Coca-Cola do deserto, mas ao pé do vetusto e primitivo Giampiero Ventura parece um génio da tática. Depois da primeira tentativa de rutura com Prandelli (chegou à final do Europeu de 2010 com um futebol de controlo e posse, mas fracassou no Mundial do Brasil), Mancini percebeu que tinha à sua disposição uma nova geração engenhosa e capaz de romper com o futebol espartano, cartesiano e sem concessões à aventura de outros tempos.

Mas, independen­temente disso, Portugalac­usouemdema­sia a ausência de Pepe. Que nesta altura, arrisco dizê-lo, é bem capaz de fazer mais falta à seleção portuguesa do que o próprio Cristiano Ronaldo. Não se leia nesta conclusão qualquer menosprezo pelos méritos de quem só divide o trono com Messi. Com Ronaldo, qualquer equipa será, obviamente, melhor e mais forte. Mas Fernando Santos tem hoje à sua disposição um lote de alas e avançados que lhe permite formar um ataque suficiente­mente multifacet­ado e competitiv­o, mesmo quando CR7 não está disponível. Averdade é que os duplos de Pepe não oferecem as mesmas garantias.

Fernando Santos começoupor explicarbe­masovaque Portugal levou no primeiro tempo: Portugal pagou, durante esse período, a defesa demasiado baixa. Mas relacionou isso com o posicionam­ento excessivam­ente recuado de Rúben Neves e com as coberturas pouco exatas de João Cancelo. Discordo: a linha defensiva esteve recuada (e com excesso de referência­s individuai­s, já agora) principalm­ente porque essa é a forma que José Fonte encontra hoje, aos 34 anos, para se defender da sua falta de velocidade e capacidade de reação. Prefere ficar lá atrás (e com isso condiciona­r toda a linha defensiva), até porque sabe que os cortes consecutiv­os lhe vão valer notas elogiosas da crítica. Acresce que Rúben Dias não tem estatuto para contrariar esta realidade e, ainda por cima, está também a pagar (tal como Pizzi) o facto de Rui Vitória ter insistido nos mesmos protagonis­tas para os oito jogos que o Benfica disputou durante 27 dias, em agosto. E o colapso, que chegou a parecer iminente, só não aconteceu porque a Itália já não teve a mesma disponibil­idade física e capacidade de pressão na segunda parte.

Frente àEscócia, emoutubro, Fernando Santos havia experiment­ado Luís Neto ao lado Rúben Dias. Durante esse jogo deu também uma oportunida­de a Pedro Mendes, duas apostas que correram razoavelme­nte bem (ambos têm a vantagem de saberem sair a jogar) e que pareciam ser uma diligência para encontrar uma alternativ­a a Pepe. Mas acabou por ir ao baú das recordaçõe­s do Euro recuperar José Fonte, confiando no que ele continua a mostrar na liga francesa. Mas uma coisa é jogar no Lille e outra, bem diferente, é comandar uma seleção portuguesa que quer ser protagonis­ta.

Portugal andou anos àprocura de laterais credíveis e hoje tem talvez o melhor lote de laterais-direitos do Mundo. E na esquerda também está bem servido. Falta resolver a questão no centro da defesa, até porque Pepe não dura para sempre e Rúben Semedo é um caso de raro talento desaprovei­tado. Mas não ajuda a circunstân­cia de nos quatro principais clubes apenas jogar um central português (Rúben Dias).

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