Wendel e o Sporting de Keizer
O QUE JÁ MOSTROU PERMITE ANALISÁ-LO COMO PEÇA DE EQUILÍBRIO ESTRUTURAL. O TRAJETO FOI AGORA INTERROMPIDO. SE REGRESSAR, DENTRO DE DOIS MESES, NO PONTO EM QUE PAROU JÁ NÃO SERIA MAU. MESMO SABENDO-SE QUE PODE FAZER AINDA MELHOR
Apesar do bigode com reminiscências cinematográficas, falta-lhe sentido teatral; jogando numa zona nevrálgica do campo, onde faz muito, bem e cada vez melhor, falta-lhe voz e sobra-lhe timidez para tomar conta dos territórios sem lei do meio-campo. Era um adolescente promissor no Brasil, teenager bem referenciado, com futuro risonho e uma evolução para fazer, mais ainda, como parecia ser o caso, se aceitasse o apelo europeu que lhe foi colocado. No Sporting, Wendel precisou de adaptar-se às novas exigências táticas do jogo; viu travada a afirmação natural porque, para lá do superior talento individual sempre revelado, debateu-se com uma realidade desconheci- da, mais complexa, envolvendo mais elementos de funcionamento coletivo. Jorge Jesus e José Peseiro não o sentiram apto a responder às exigências e obrigaram-no a crescer longe da ação, desde logo mais tempo do que o próprio jogador alguma vez imaginou. Marcel Keizer escolheu-o como rosto da mudança leonina; viu nele qualidades para alimentar a ideia que trouxe para Alvalade; confiou no seu talento, estabilizou a equipa e deu-lhe uma fisionomia diferente.
Ao fim de quatro jogos a titular e
quatro vitórias, Wendel lesionou-se com gravidade e interrompeu o processo de afirmação. O Sporting encontrará certamente uma solução mas o brasileiro sofre duro revés (oito semanas de paragem), ao fim de meses à espera de uma oportunidade. Aos 21 anos, porém, dispõe ainda de muito tempo para mostrar as qualidades que possui: terá de entender o triste episódio como nova etapa na sua evolução como jogador.
Wendel tem assimilado os princípios básicos de marcação e co
bertura; e tem acrescentado a essa capacidade a arte, depurada já em Portugal, de dar critério e segurança à circulação. Dele não podemos esperar o assombro de magia instantânea, nem a bola aguardará as carícias que outros lhe dão – sabe que não estará nos seus pés muito tempo, vai ser tratada com competência, terá como destino um local seguro e não se perderá pelo caminho. O brasileiro retira superficialidade ao futebol e respeita as exigências de equilíbrio e abrangência, porque nele se conjugam argumentos de operário especializado no trabalho mais sujo e a coragem para criar, levando a bola sempre em condições para zonas mais avançadas. Alimenta a rotina cada vez com mais argumentos e vai abrindo brechas na muralha adversária, porque entende o futebol como desporto coletivo, que está para lá de truques avulsos e que precisa de ser entendido como vasta cadeia de acontecimentos. Wendel tem um instinto simplificador notável, não mistura os vários papéis que desempenha em campo e não lhe interessam quaisquer manuais de etiqueta. Jogador de perfil discreto, domina todas as exigências do jogo sem precisar de encantar plateias. Antecipa os problemas, resolve-os e sai a jogar; leva a bola e nunca se atrapalha, porque sabe sempre o que fazer; não é um prodígio mas tem uma técnica cristalina que lhe permite sempre dar seguimento à ação.
Sendo um jogador completo,
Wendel nunca se vai satisfazer, nem deixar os outros felizes, cumprindo apenas metade do futebolista em que ameaça transformar-se. Não será só o gregário cumpridor, o funcionário que arruma a casa; terá de ser também o espírito criativo, o talento para pôr a máquina a trabalhar à sua volta e o estratega para dar dimensão coletiva ao bom gosto e a todas as soluções ofensivas em que participa. O que já mostrou sob o comando de Marcel Keizer permite analisá-lo como peça de equilíbrio estrutural, o homem certo para ligar a equipa entre a primeira fase de construção e a zona das grandes decisões. O trajeto foi agora interrompido. Se regressar, dentro de dois meses, no ponto em que parou já não seria mau. Mesmo sabendo-se que pode ser e fazer ainda melhor.
O BRASILEIRO DE ENTENDER O TRISTE EPISÓDIO COMO NOVA ETAPA NA SUA EVOLUÇÃO