PORQUE SE JOGA TÃO POUCO EM PORTUGAL?
Record confrontou treinadores, Liga, Conselho de Arbitragem e FPF sobre o tempo útil de jogo em Portugal, o mais baixo de 37 países da Europa
Se um jogo de futebol tem, normalmente, 90 minutos, os adeptos portugueses só assistem a 45. Essa foi a conclusão do estudo do CIES Observatório do Futebol sobre o tempo útil de jogo em 37 campeonatos europeus. A Liga NOS está em último lugar com 50,9% - uma análise referente às primeiras 10 jornadas do campeonato e com dados ‘InStat’. Este valor foi o ponto de partida para esta reportagem de Record: quais as razões para tantas paragens? De quem é a culpa? Que soluções existem? As respostas foram dadas pelos treinadores, pela Liga Portugal, pela Federação Portuguesa de Futebol e pelo Conselho de Arbitragem.
O alerta não é de agora. Em fevereiro, Rui Vitória foi um dos que veio a público lançar a discussão. “Somos o campeonato em que menos minutos se jogam num jogo, há muitas paragens e em muitos campeonatos isso não acontece. Temos de ter a astúcia que os treinadores portugueses vão tendo, ter a capacidade de os clubes se reestruturarem melhor, apostar mais na formação e em termos coletivos deve haver uma reestruturação. Do ponto de vista financeiro vamos ter sempre essa diferença, por isso temos de apresentar melhores espetáculos, melhores campos, melhores estrutu- ras... No fundo, uma série de coisas em que podemos melhorar”, atirou o treinador do Benfica. Sérgio Conceição, treinador de outro dos grandes, defendeu que o antijogo até favorece... os mais pequenos. “É algo que beneficia sempre a equipa teoricamente menos forte. Já representei equipas do género, mas não há nenhum jogador que possa vir dizer que eu lhe pedi para se deitar no chão ou para perder tempo. É culpa de toda a gente, mas no jogo do Bessa, por exemplo, nos primeiros 15 minutos só se jogaram três ou quatro. Aí a culpa foi do árbitro e, se calhar, do treinador e dos jogadores”, acrescentou o treinador do FC Porto.
No entanto, nem todos analisam os números da mesma forma. “É uma questão cultural. Temos tendência de valorizar o que vem de fora, o jogador que está do outro lado é sempre melhor do que o nosso. A galinha da vizinha é sempre melhor do que a minha. A Suécia está em 1º lugar nesse estudo, e é o melhor campeonato? Temos 45 minutos de tempo útil, mas a liga inglesa, que é dos melhores campeonatos, tem 50 minutos. Quando olho para os 330 milhões que o futebol fatura fico triste quando as pessoas que vivem de futebol lhe dão ‘porrada’. Não é por acaso que somos um mercado que vende treinadores e jogadores”, atirou o técnico do Sp. Braga, ao mesmo tempo que apontou uma solução: “Sejam mais equilibrados nas receitas económicas.” Uma opinião partilhada por João Henriques, treinador do Santa Clara. “Por um lado, existe uma questão cultural. O jogador latino tem a característica de cair muitas vezes e de reclamar com os árbitros. Por outro lado, as diferenças de poderio financeiro são abismais. Se dessem a todos os 18 clubes as mesmas condições de orçamento, com os mesmos treinadores, não tenho dúvidas de que o tempo útil de jogo iria disparar”, assegurou o técnico.
Análise global
Tantas vezes elogiado pelo futebol positivo que aplica nas suas equipas, Luís Castro defendeu que é preciso ter uma visão alargada de vários aspetos para perceber o que leva a um campeonato com tantas paragens. “O futebol português tem por hábito reagir a números, quando o que interessa é o global. O futebol português tem de ser pensado como um todo, quando quiserem pensar o futebol português reagindo a um número que aparece… vamos fazer uma reunião por causa do tempo de jogo, não adianta. Adianta perceber em que condições treinamos, em que condições jogamos, quantos espectadores temos, como vai ser o futuro do futebol português, quem está interessado, quem se senta à mesa, quantas vezes os treinadores são ouvidos. Depois aí encontramos uma solução”, atirou o técnico vimaranense.
Já Lito Vidigal, técnico do V. Setúbal, criticou a diferença de tratamento. “Quando os clubes mais fortes estão em vantagem, fazem antijogo e dizem que é estratégia, algo que acontece com frequência. Quando são os clubes com menos força já é antijogo.” *
QUESTÃO CULTURAL E DIFERENÇAS FINANCEIRAS SÃO JUSTIFICAÇÕES APONTADAS PELOS TREINADORES DA 1ª DIVISÃO