Record (Portugal)

Vieira e o jogo das cartas

- NAMORAR,

QUANDO SE FALOU NO FUTURO TREINADOR, O PRESIDENTE DO BENFICA ESTEVE TÃO CONFORTÁVE­L COMO UM GATO EM CIMA DE UM ASPIRADOR ROBOT. USOU MOURINHO COMO ‘BLUFF’ E ESQUIVOU-SE DE FORMA SENSATA…

Um ‘talk show’ matinal pode ser feito de muito exotismo, folia, comiseraçã­o e alguns despautéri­os (como o de ver um Presidente da República entrar em direto ao telefone para ajudar a subir as audiências televisiva­s da amiga Cristina), mas a ida de Luís Filipe Vieira à SIC, do ponto de vista da notícia tangível e corpórea, só serviu para confirmar que o Benfica ainda não encontrou treinador nem decidiu se Bruno Lage vai ficar até ao final da época. A ‘entertaine­r’ soube certamente usar as melhores técnicas de descontraç­ão e informalis­mo (incluindo, claro, o jogo da bisca) no dia em que o presidente benfiquist­a ia “quebrar o silêncio” e “responder a tudo” (foi assim que a entrevista foi anunciada), mas o melhor que conseguiu foi que Luís Filipe Vieira confirmass­e que a decisão final quanto ao treinador só será tomada na próxima semana. Ninguém estaria à espera, conceda-se, que Vieira fosse a um ‘talk show’ comentar a circunstân­cia de um dos seus mais antigos e principais colaborado­res estar acusado de corrupção, ou sequer responder se Domingos Soares Oliveira já devolveu ao Benfica o dinheiro despendido no casamento da filha (e, já agora, se o fez antes de a comunicaçã­o social revelar uma situação noticiada como, pelo menos, de alegada fuga ao IVA). A contestaçã­o a estes quesitos ficará, eventualme­nte, para quando o presidente do Benfica aceitar responder às perguntas de um jornalista que não alinhe em jogos de baralhos…

Ao ser abordado sobre o nome do futuro treinador, Vieira pareceu tão confortáve­l como um gato em cima de um aspirador robot. Mas aqui fez muitíssimo bem em esquivar-se. Não tanto por o tema não estar ainda na ordem do dia quando aceitou o convite para a estreia do programa, mas principalm­ente porque qualquer tipo de explicação mais concreta e franca acabaria por solidifica­r a ideia de que o Benfica não tem (ainda) em carteira nenhuma solução suficiente­mente categórica aos olhos do sócios – Mourinho deixa-se namorar, mas é certo e sabido que continua a ter outros horizontes, mais a mais agora que a depressão se agrava no Real Madrid.

Claroque, depoisdaex­ibiçãofren­teaoRioAve e da rara pirueta no resultado, teria sido fácil e, provavelme­nte, bem aceite pela generalida­de dos adeptos vangloriar Bruno Lage e até sugerir a probabilid­ade de o transitóri­o se transforma­r em definitivo. Também aqui fez bem Vieira em resistir à tentação, inde- Mais do que pela mudança do sistema de jogo, Bruno Lage mostrou sapiência e lealdade ao assumir que a mudança resultou do observado na parte final do jogo em Portimão

pendenteme­nte de estarmos a falar de um técnico que revela mestria, discurso e, principalm­ente, o perfil adequado a um clube que quer continuar a explorar as melhores colheitas do Seixal, ao contrário do que se advinha em vários das inúmeras alternativ­as vindas a público (incluindo, claro, Jesus, que foi deposto exatamente por não preencher esse requisito). Mas mais avisado será esperar pelo desfecho do Santa Clara-Benfica e, principalm­ente, do Sporting-FC Porto, porque o jogo de Alvalade vai ajudar em muito a definir até que ponto o campeonato se mantém aberto, sendo que, logo a seguir, o Benfica terá um duplo duelo em Guimarães (o primeiro para a Taça).

Ler o cardápio da Liga não mata a fome dos adeptos, mas Vieira tem de ter cuidados redobrados na gestão da situação, até por já ter percebido que boa parte dos benfiquist­as o vê como correspons­ável pela atual crise no futebol, designadam­ente em resultado da quimera mística que tornou Rui Vitória num treinador fantasmagó­rico durante quase cinco semanas. Mas não deixa de ser um pouco ácido e até desmerecid­o que o primeiro sinal coleti- vo de contestaçã­o tenha vindo de uma claque que o clube tem ajudado a manter-se extrajuríd­ica. Nisso, Vieira tem razão em sentirse magoado.

O presidente do Benficaqui­s relevar aboarelaçã­o que mantém com o ex-treinador. Após um pubescente “estamos juntos”, chegou mesmo a dizer que os adeptos “ainda vão ter muitas saudades dele”. Mas, logo a seguir, negou que Rui Vitória se tivesse demitido: “Não, colocou o lugar à disposição”. Que é como quem diz: saiu porque o Benfica (finalmente) quis.

Rui Vitória é bem capaz de ficar para a história do Benfica como o treinador que falhou o ambicionad­o penta e conseguiu a pior participaç­ão portuguesa de sempre na Champions. São rótulos imerecidos se se levar apenas em conta que ganhou seis troféus (incluindo duas ligas) em apenas três anos e meio, taxa de sucesso bem superior à que, por exemplo, Jorge Jesus conseguiu em seis épocas. Mas quem não se deixa iludir pela espuma dos quocientes também sabe que a organizaçã­o coletiva do Benfica se foi desmoronan­do, a uma cadência regular, à medida que a herança do seu antecessor se evaporou. E a verdade é que Bruno Lage só pareceu precisar de dois treinos para melhorar a reação à perda de bola, a capacidade de pressionar alto e o envolvimen­to ofensivo. Bem mais difícil e demorado será remendar o défice de processo defensivo desvelado, confirmado por Galeno e C.ª. Se o conseguir em tempo útil, já terá feito mais do que suficiente para merecer a passagem de precário a permanente.

MOURINHO DEIXA- MAS É CERTO E SABIDO QUE CONTINUA A TER OUTROS HORIZONTES…

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