Record (Portugal)

O que há num 10 a zero

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que há num momento. Primeiro minuto de jogo, uma saída a jogar impensável até há pouco tempo. Bola curta, futebol apoiado, variação de corredores, 13 toques e Grimaldo isolado na frente do guarda-redes. O jogo começou com o Benfica a marcar, mas o melhor estava guardado para o minuto 31. Samaris de cabeça dá em Pizzi, que recebe, temporiza e deixa em João Félix, que devolve a Pizzi (sim, a bola está sempre nos pés do bragantino), que mete na direita em André Almeida, que, num toque subtil, deixa em João Félix, para este, no momento em que se desmarca, repetir, com elegância, o mesmo toque de Almeida, para, de novo, passar a Pizzi, que reenvia a bola a Félix. Já dentro da área, Félix cruza para Seferovic. Por mais vezes que reconstrua­mos mentalment­e a jogada, a bola nunca chega ao suíço. Para a memória ficará a alegria maior com que celebrámos, no estádio, o nono e, depois, ainda, o décimo golo. Não se esquece. Mas a felicidade, para ter sido absoluta, pedia que aquela bola tivesse chegado a Seferovic, para depois ser empurrada ao primeiro toque – sempre ao primeiro toque – para o fundo da baliza.

O que háem1999. Recordamse dapromessa­apocalípti­ca de Prince sobre o ano de 1999? Em 1982, sob o espectro da guerra fria e de uma ameaça nuclear, o génio de Mineápolis deixava um recado profeticam­ente funk: festejemos como se estivéssem­os em 1999. Simbolicam­ente, não seria um ano qualquer, o julgamento final de um Mundo à beira do fim, na passagem do milénio. O Mundo não acabou, mas a festa deixou marcas. Se pensarmos na geração de 1999, não há dúvida de que, aqui no cantinho, a diversão valeu a pena. Não houve ‘bug’ do milénio, as notícias do apocalipse foram precipitad­as e ao som do Prince, algures entre o sagrado e o profano, a graça e o mistério deram-nos, em simultâneo, o Gedson, o Jota, o Florentino e o João Félix. Dificilmen­te haverá outro ano assim. Festejemos, não vai durar muito. Oque hánumolhar. Acâmara fixaemBrun­o Lage, enquanto ao fundo, no placarelet­rónico, aindase lê 9-0. Em campo, já foram marcados dez golos e o árbitro não deixa que o massacre se prolongue. Fez bem. O que impression­a naquele plano fechado é o olhar fixo, pleno de angústia, do treinador. Um olhar de quem pressente a tristeza que vem sempre com a felicidade incontida e de quem sabe que viu o topo da montanha. Afinal, é verdade que não sabemos o que vai acontecer agora. Teremos dias difíceis à nossa frente, mas isso pouco importa. Aliás, estou certo de que, se perguntass­em a Bruno Lage, naquele momento, em que era mais teria gostado de viver, não hesitaria: no dia 10 de fevereiro de 2019, no glorioso Estádio do Sport Lisboa e Benfica.

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