As armadilhas que Félix tem de fintar
QUALQUER JOVEM FUTEBOLISTA ENFRENTA TRÊS PERIGOS QUANDO CHEGA AO ESTRELATO: LESÕES GRAVES, PERDEREM A HUMILDADE E AS DISTRAÇÕES
meiro perigo de um jovem jogador. Faço aqui um pequeno resumo: “Após a minha estreia, quando tinha 16 anos, com a primeira equipa do Sporting, ao sair do Estádio José de Alvalade havia várias pessoas à espera das estrelas e julgo que vou passar despercebido. Afinal de contas, sou apenas um jo- vem desconhecido. Puro engano. Uma rapariga estica-me um papel e uma caneta: ‘Podes dar-me um autógrafo?’
Duas horas antes era mais um rapaz anónimo, e naquele momento a tua vida muda radicalmente . A fama, o assédio das pessoas, o facto de não poder voltar a andar na rua normalmente. E eu não estava preparado. Como poderia estar? Isto não está nos livros e na escola não existe esta matéria. Nem os professores, nem os psicólogos, nem os sociólogos te podem ensinar como te deves comportar numa situação semelhante porque esses não dão autógrafos. Não podem preparar-te para te tornares famoso de uma hora para a outra. É um processo que tens de aprender sozinho. Estás sozinho contra o perigo. O momento em que assinas o primeiro autógrafo é uma sensação completamente estranha. Alegria, orgulho, estupefação, susto e medo.
Nunca me senti o maior e, sobretudo, nunca perdi a humildade. Mas consigo compreender todos os miúdos que passaram por situações semelhantes e deixaramse invadir pela arrogância e pelo egocentrismo. E muitos não passaram deste primeiro teste complicadíssimo.”
Pelaminhamaneirade ser, passei comnotaaltanestaprimeiraarmadilha, mas na segunda, no tema das distrações, a música foi outra. Quando cheguei ao FC Porto tinha 18 anos e não tinha namorada. A primeira coisa que me disseram foi: “Só podes sair à noite no teu dia de folga e quando a equipa ganha”; a segunda foi: “Para estares na tua máxima força física, nunca faças amor nos dois dias anteriores ao jogo.” Mas tinha 18 anos e não era fácil cumprir estas regras.
Para dar um exemplo, fiz este pequeno apanhado no sétimo capítulo do meu livro: “No dia do meu 19.º aniversário, depois do treino, subo à secretaria do Estádio das Antas. Ao entrar, o funcionário diz-me que bati o recorde de cartas recebidas: ‘547 num só dia. Que loucura!’ Chego a casa com as cartas e começo a abri-las. Vejo todo o tipo de objetos. Muitas fotografias. E fico vidrado numa dessas imagens. Na frente, estão duas miúdas de corpos escaldantes a beijarem-se e a convidarem-me para me juntar a elas.”
Se passei este segundo grande teste das distrações foi porque conheci a mãe dos meus filhos, a Isabel, antes de fazer os meus 20 anos. Se não, dificilmente hoje estaria aqui a escrever estas linhas. A partir daquele dia e até ao último jogo da minha carreira acabaram as noitadas e as distrações , cumpri à regra as leis do amor do FC Porto e comecei a ser um excelente profissional. A Isabel foi a companheira perfeita em todos os aspetos que necessitava.
também ganharam a guerra a todas estas armadilhas e triunfaram. Mas, infelizmente, muitos outros jovens craques ao longo da história foram derrotados por estas armadilhas e ficaram pelo caminho. E recordo esta história porque, nas últimas semanas, ouvi muitas vezes a pergunta “que perigos tem o génio João Félix pela frente?” Os mesmos, mas estou convencido de que o João vai ganhar a guerra a todas estas barreiras e armadilhas que tem pela frente. Muita força, menino!