Record (Portugal)

Águia voa nas asas de Gabriel

O BRASILEIRO EVOLUIU DE CONTRATAÇíO FALHADA PARA UM DOS MELHORES MÉDIOS DA LIGA – É EXEMPLAR ÚNICO COM O SEU PERFIL TÉCNICO E ATLÉTICO. NO RESTO, ASSUME-SE COMO UM DOS PRINCIPAIS OBREIROS PELA SENSACIONA­L RESSURREIÇ­ÃO DO BENFICA

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No futebol, a excelência não exclui seja quem for – só divide entre bons e maus sem olhar ao perfil atlético. A história dá-nos exemplos eloquentes de sucesso entre gordos (Maradona) e magros (Cruyff); altos (Van Basten) e baixos (Romário); pesados (Ronaldo Nazário) e felinos (Eusébio); rápidos (Cristiano) e lentos (Hagi); corajosos (Klinsmann) e cerebrais (Nené); habilidoso­s (Ronaldinho Gaúcho) e toscos (Batistuta); ricos (Michael Laudrup) e pobres (Pelé); senhores (Beckenbaue­r) e grosseiros (Passarella); perfeitos (Chalana) e explosivos (Futre); génios (Messi) e goleadores (Gerd Müller); loucos (Gascoigne) e racionais (Paulo Sousa).

No pisar é notório o desconfort­o visual dos 80 quilos mas nas decisões está

contemplad­a a velocidade supersónic­a de um raciocínio refinado. Gabriel parece lento nos deslocamen­tos mas, ao longo da hora e meia, chega quase sempre primeiro e em boas condições onde é chamado, prova de que tem leitura automática dos acontecime­ntos, antecipa movimentos e raramente falha tempo e forma de intervençã­o nas zonas onde o instinto o conduz. Tem a fisionomia de um futebolist­a pesado e chega a suscitar a dúvida se é indolente ou mesmo preguiçoso. O primeiro embate, porque a pinta conta, não é agradável e suscita as mais variadas desconfian­ças. Desde logo não tem o talento superior para resolver em espaços curtos como Pizzi nem é um condutor como Gedson; mas tem argumentos raros como elemento congregado­r da equipa: é o complement­o de Samaris (Fejsa ou Florentino) na contenção e o municiador de mobilidade, abrangênci­a e génio do trio de avançados (Rafa, Seferovic e João Félix).

De resto, é essa capacidade para conjugar o jogo com e sem bola

que faz dele um elemento precioso; é o talento para entender o futebol com a inteligênc­ia lógica de quem domina tudo quanto a luta lhe pede e a arte para desenvolve­r a inteligênc­ia criativa com que ilumina o processo de construção, que faz dele um jogador acima da média. Gabriel alimenta o senso comum sem cometer erros e desestabil­iza a rotina com mudan- ças de flanco sublimes ou lançamento­s magistrais que, de um instante para o outro, criam ao adversário problemas tão súbitos que, na maior parte dos casos, se tornam irresolúve­is.

Gabriel assenta em vistas largas,

para quem o conceito de distância é relativo; com a bola aborda a batalha com a visão escandalos­a de quem está no primeiro balcão; porque tem técnica fabulosa e um pé esquerdo abençoado dá seguimento aos lances, como se receção, análise e execução correspond­essem a um momento único. A favor da sua intervençã­o com influência arrasadora em todo o terreno, prova de que tem campo de ação amplo, associa-se com facilidade a todas as solicitaçõ­es. É precioso na gestão mental (sejamos educados e esqueçamos a expulsão frente ao FC Porto), na rapidez com que toma decisões, na perfeição do que faz, na facilidade com que alimenta o jogo combinado e divide a responsabi­lidade em todas as variantes – na administra­ção do espaço, no ataque à bola, na utilização do corpo nos duelos individuai­s e na facilidade como se transforma, automatica­mente, de defensor implacável em criador deslumbran­te.

Emcentésim­os de segundo vê, avaliae decide.

A sua mente funciona à velocidade do som e, como talento altruísta, revela-se precioso no coletivo. É um gestor tático, um ponto de equilíbrio fundamenta­l e o elemento mais importante no funcioname­nto da oleada máquina benfiquist­a. Gabriel evoluiu de contrataçã­o inócua, a resvalar para a deceção, atendendo ao negócio milionário que o trouxe de Leganés, para um dos melhores médios da Liga e um dos principais responsáve­is pela sensaciona­l ressurreiç­ão encarnada. A águia voa hoje nas asas do seu talento. Com aquelas caracterís­ticas, é exemplar único no âmbito do campeonato.

TEM A FISIONOMIA DE UM JOGADOR PESADO MAS A SUA MENTE FUNCIONA À VELOCIDADE DO SOM

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 ??  ?? AJuventus foi a ilustre porta de entrada na Europa. Tinha ainda idade de júnior quando saiu do Brasil, aos 17 anos
AJuventus foi a ilustre porta de entrada na Europa. Tinha ainda idade de júnior quando saiu do Brasil, aos 17 anos
 ??  ?? Frente ao Ajax, na Luz, teve no pé esquerdo a vitória benfiquist­a. Foi o último lance do jogo. O guarda-redes levou a melhor
Frente ao Ajax, na Luz, teve no pé esquerdo a vitória benfiquist­a. Foi o último lance do jogo. O guarda-redes levou a melhor
 ??  ?? No Leganés assinou média de 6 golos por cada uma das três épocas. No Benfica marcou um golo, ao Sporting, na Taça de Portugal
No Leganés assinou média de 6 golos por cada uma das três épocas. No Benfica marcou um golo, ao Sporting, na Taça de Portugal
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RUI DIAS

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