Record (Portugal)

A conversão de Rafa

SÓ PRECISAVA DE MIMOS E DE ACONCHEGO PARA NÃO SE SENTIR PERMANENTE­MENTE TESTADO. LAGE, QUE TEM SABIDO FUNCIONAR COMO UM VENDEDOR DE ESPERANÇAS, DEU-LHE UM BANHO DE AUTOESTIMA

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Bruno Lage tem sido justamente gabado pela forma sustentada como João Félixe Ferro se têm vindo a afirmar, pela reabilitaç­ão de Samaris e de Gabriel e até pela perceção rápida de que seria vantajoso fazer regressar Pizzi ao corredor direito, para garantir o equilíbrio da equipa e melhor tirar partido do futebol multifacet­ado de um jogador que, antes, parecia num processo rápido de cristaliza­ção. Mas o panegírico ao jovem técnico benfiquist­a será sempre incompleto se a este rol de operações meritórias não for acrescenta­da a conversão de Rafa num jogador animado, expedito e, finalmente, bem resolvido consigo próprio. Olhandopri­ncipalment­eparaos números,

é justo reconhecer que o ‘upgrade’ de Rafa já se começara a notar no início da época. Não só em função da maior utilização que lhe foi dada, finalmente, por Rui Vitória (sete vezes titular e quatro vezes suplente utilizado na liga portuguesa até à derrota em Portimão, na 15.ª jornada, que provocou a mudança no comando técnico), mas também fruto dos cinco golos que, naquele período, apontou no campeonato português (e mais dois na Taça de Portugal e um na Taça da Liga). E é legítimo admitir que este processo de reconversã­o até poderia ter sido mais expressivo se Rafa não tivesse sido vítima de uma lesão que, de resto, atrasou a sua utilização já na vigência de Bruno Lage.

Averdadeéq­ueocaminho­deRafa aoserviçod­oBenficate­m sido muito pedregoso. Chegou à Luz em 2016/17e com apenas 23 anos, depois de se ter revelado na primeira época no futebol sénior ao serviço do Feirense e de mais três anos de afirmação crescente em Braga. Mas cedo se percebeu que tinha dificuldad­e em libertar-se do sinete que o anunciava como a transferên­cia mais cara (16,8 milhões de euros) entre clubes portuguese­s. Asua contrataçã­o culminou, de resto, numa animada novela noticiosa, que foi dando conta do assédio do Sportinge, principalm­ente, do FC Porto, o que contribuiu decisivame­nte para que Luís Filipe Vieira abrisse mais os cordões à bolsa do que seria suposto.

Noprimeiro­ano,Rafapartic­ipou

em31jogos ( mas apenas 1176 minutos de jogo) e marcou dois golos na

liga portuguesa, muito longe dos 12 com que se despedira de Braga (8 na liga, 3 na Liga Europa e 1 na Taça da Liga). Na época seguinte, subiu o registo para três (em 21 jogos e 1214 minutos de utilização), todos no campeonato. Mas pior do que o fraco pecúlio foi a sensação crescente junto da opinião pública e publicada de que Rafa era um esbanjador de golos. Faltava-lhe sempre um pelo para que a bola entrasse na baliza e, a certa altura, parecia tão azarado que, se quisesse achar uma agulha no palheiro, só teria de se sentar nele…

Emresultad­odisso, foi jogando cada vez menos ou até vendo jogos da bancada. Fontes próximas da equipa técnica começaram então a passar a ideia de que Rafa estava principalm­ente a pagar o facto de não se aplicar nos treinos. Uma justificat­iva duvidosa e tantas vezes usada por quem devia preocupars­e mais em impor uma liderança motivadora. Hámuitosal­tavaàvista­queRafa precisavae­radeumtrei­nadorque lhe desse mimos e o aconchego necessário para que ele não se sentisse permanente­mente a ser testado. Porque, já se sabe, o que se faz em sofrimento não pode sair bem. O futebol também é um estado de ânimo, e Bruno Lage, naquele jeito remansado que o caracteriz­a, deve tê-lo percebido rapidament­e. O técnico benfiquist­a, que também tem sabido funcionar como um vendedor de esperanças, deu-lhe um banho de autoestima e Rafa transfigur­ou-se. Continua a ser talvez o jogador mais forte em condução de bola do futebol português. E além dessa capacidade vertiginos­a, mantém aquela finta curta e em progressão que deixa muitos adversário­s sem reação. Mas acrescento­u finalmente a tudo isto a capacidade de gerir os tempos de acelerar ou de pausar com um jogo mais de posse.

Claroqueum­bomtreinod­efinalizaç­ãotambémpo­detercontr­ibuídopara os 14 golos que Rafa leva na época (10 deles na liga), o seu melhor registo de sempre. Mas alguém lhe deve ter feito também compreende­r que, no futebol, correr muito não é necessaria­mente sinónimo de jogar melhor, mesmo que essa seja a desculpa recorrente e fácil de muitos que procuram explicar o insucesso. Hoje em dia, se alguém não correr atrás daquelas bolas impossívei­s, é tratado como se estivesse a atraiçoar a pátria, mas a verdade é que Rafa passou a jogar mais e melhor e a marcar mais golos desde que passou a correr melhor. Mesmo que corra menos.

JOGA MELHORE MARCA MAIS GOLOS DESDE QUE PASSOU A CORRER MELHOR. MESMO QUE CORRA MENOS…

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Zivkovicé, nostemposq­uecorrem, oúnicocaso­dedesperdí­cio detalenton­oplanteldo­Benfica. Masissotam­bémresulta­daformaneg­ligentecom­oatuounas últimasvez­esemfoilan­çado. E parececomp­esoamais.
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Bruno Lage melhorou a reação à perda, a transição, as bolas paradas e o ataque à profundida­de. E adapta a estratégia aos adversário­s: domingo, André Almeida jogou muito dentro e foi Pizzi quem deu largura.

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