O futebol é um gajo estranho
TAARABT PERCEBEU, AOS 29 ANOS, QUE PASSOU OS ÚLTIMOS ANOS A DESPERDIÇAR O IMENSO TALENTO QUE POSSUI. O ENCONTRO COM BRUNO LAGE, NOS TREINOS DA EQUIPA B, SUPORTOU UMA APOSTA POUCO CONSENSUAL, MAS QUE TEVE RESPOSTA POSITIVA DENTRO DAS QUATRO LINHAS. NUNCA É
O jogo ante o Feirense marcou a estreia como titular de Adel Taarabt pela equipa principal do Benfica. Uma aposta surpreendente de Bruno Lage, três anos e nove meses depois de o internacional marroquino ter sido anunciado como reforço das águias, na sequência de uma transferência a custo zero com direito a contrato milionário, numa tentativa de relançar uma carreira, após um exercício a roçar o nulo ao serviço do QPR, tão promissora como labiríntica.
Tanto dentro como forado campo, Taarabt nunca justificou a aposta dos encarnados. O peso excessivo e os permanentes atropelos a regras elementares da conduta de um jogador profissional ditaram a ausência de apostas por parte de ui Vitória, treinador que ainda chegou a deixá-lo no banco, no longínquo outono de 2015, nas partidas ante Vianense (Taça) e Galatasaray (Champions). Depois, seguiu-se a despromoção à equipa B, com um rendimento a roçar o sofrível nas sete oportunidades que lhe foram concedidas.
Peso morto e excessivamente caro, a missão de encontrar uma solução para Taarabt revelou-se hercúlea. Em janeiro de 2017, após um ano sem competição, o empréstimo de uma época e meia ao Génova acabou por constituir uma janela de oportunidade para o libertar, mas o longo período de inatividade atrasou a sua integração nos grifone. Contudo, mesmo quando pareceu estar perto de atingir o nível que chegou a colocá-lo na rota de alguns colossos do futebol europeu após ter sido o melhor jogador do Championship em 2010/11, como aconteceu com as boas exibições consecutivas ante Cagliari, AC Milan e Nápoles, Taarabt eclipsou-se e o seu nome desapareceu gradualmente das convocatórias. Semcolocação no último defeso, Taarabt começou a escrever nos treinos da equipa B, mesmo sem o saber, a história da sua titularidade em Santa Maria da Feira. O proscrito cruzou-se com Bruno Lage, revelando, aos 29 anos, uma disponibilidade férrea para relançar a sua carreira com a plena consciência do tempo desperdiçado, ao demonstrar uma vontade indómita para o trabalho mesmo sem objetivos fixados. Uma história que continuou a ser caligrafada, ainda na equipa secundária dos encarnados, quando Renato Paiva, face à promoção de várias das suas pérolas à equipa principal, teve oportunidade de o lançar como titular nas receções a Cova da Piedade, Paços de Ferreira e Penafiel. A resposta foi muito positiva, o que lhe permitiu voltar a treinar-se, mais de três anos depois, com a equipa principal. Seguir-seiam os primeiros minutos de utilização ante Tondela e Sporting, antes da oportunidade como titular diante do Feirense.
Mas faz sentido conceder uma oportunidade a um jogador que em três anos nada fez para a merecer? Faz sentido preterir jogadores como Cervi, Zivkovic, Krovinovic ou Jota por um jogador com o histórico ziguezagueante de Taarabt no final do penúltimo ano de um contrato interminável? À partida, a resposta seria não. Mas foi Bruno Lage, na conferência prévia ao jogo com o Feirense, que deu os primeiros sinais da aposta que assumiria no dia seguinte. Jogar na equipa principal do Benfica passa por treinar com uma intensidade muito alta, definida por Lage como “treinar a mil”. Depois, por ter rendimento quando a oportunidade surge. E aí, podemos inteligir que a resposta dada por Zivkovic – que até foi opção principal na chegada de Bruno Lage à equipa principal –, por Krovinovic – com parcos 122 minutos de utilização na era Lage – e por Cervi – veloz e acelerativo, mas muito inconsistente na tomada de decisão – tem estado aquém do esperado pelo treinador do Benfica.
Parafazer face àausênciade Rafa, expulso após o final da partida frente ao Sporting, Bruno Lage procurou com a aposta em Taarabt tirar partido da qualidade técnica superlativa – tremendo nas receções orientadas – do médioofensivo e da sua boa tomada de decisão sob pressão. Sem a capacidade lancinante para atacar a profundidade do internacional português, Taarabt soube invadir o espaço interior a partir do corredor esquerdo, abrindo-o às subidas de Grimaldo, mas, sobretudo, mostrou capacidade e ferocidade para encontrar espaços entre as linhas defensiva e intermediária do Feirense, metamorfoseando-se de jogador inquieto e instável no elo que ofereceu paciência e critério à criação de uma equipa que acusou de forma excessiva a ansiedade de um resultado desfavorável.
PESO MORTO E CARO, A MISSÃO DE ENCONTRAR SOLUÇÃO PARA ELE REVELOU-SE HERCÚLEA