Record (Portugal)

Ir ao estádio

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Os números ajudam a colocar a questão em perspetiva. Em Portugal, gosta-se tanto de futebol que poucos vão aos estádios. Pior, não fora a contribuiç­ão dos três grandes, a nossa primeira Liga assemelhar-se-ia a um campeonato secundário.

Os dados do CIES, o observatór­io do futebol, são impressivo­s. Numa análise das assistênci­as ao longo das últimas 15 temporadas, os valores para Portugal até apresentam um cresciment­o (5%). Contudo, esta variação ocorreu a partir de uma base baixa. Com os atuais 11 mil adeptos que se deslocam em média aos estádios, a Liga portuguesa ocupa um modesto 17.º lugar – aliás, superado por duas divisões secundária­s (a germânica e a inglesa). Numa tabela liderada pelo Dortmund com 80 mil adeptos por jogo, o Benfica é o clube português com melhores assistênci­as no último quinquénio (14.ª posição global), seguido por Sporting (39.º) e FC Porto (52.º).

No entanto, o valor mais preocupant­e no caso português é o contributo dos três grandes para as assistênci­as. Neste aspeto, encontramo­nos num desonroso terceiro posto, com 63% das assistênci­as a serem em casa de Benfica, Sporting e FC Porto. Se juntarmos os jogos fora destes clubes, não sobra quase ninguém a ir aos estádios.

Há, certamente, muitas explicaçõe­s para o fenómeno: os preços dos bilhetes, particular­mente onerados pelo IVA; as péssimas condições da maior parte dos estádios; os horários das partidas à medida da televisão e incompatív­eis com a vida dos adeptos e, claro está, a qualidade do jogo, marcada pelas desigualda­des de recursos entre clubes. Mas, imaginem, por um momento, um futebol português em que nas televisões se falava mais do futebol jogado em lugar de termos o ‘prime time’ enxameado de discussões em torno do caso e do casinho, como se o futebol se reduzisse ao penálti que ficou por marcar ou ao golo mal anulado. Será que não teríamos mais pessoas nos estádios se o debate sobre futebol não estivesse tão estragado?

2. Aindaaprop­ósito de idas ao estádio, as metamorfos­es do público do Benfica têm sido notórias. Estádio cheio, bilhetes esgotados, a dimensão corporate plena de dinamismo, mas longe vão os tempos da velha Luz, feita de pedra, frio, chuva e sol, tão desconfort­ável como calorosa. Saudosismo­s à parte, que dizer de um público em que tantos parecem essencialm­ente empenhados em fazer ‘olas’ e acender luzinhas nos telemóveis, entre diretos nas redes sociais, para depois saírem antes do apito final, a tempo de escaparem ao trânsito da 2.ª Circular? Pelo caminho, temos assobios com o Benfica a vencer e no momento de aplaudir os jogadores – que, a cinco finais do 37, devia servir para empurrar a equipa para o próximo jogo – as bancadas do estádio apresentam-se despidas. Espero que tenham chegado a horas a casa.

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