Record (Portugal)

O incrível regresso de Samaris

O GREGO REOCUPOU O SEU LUGAR NO PALCO E FÊ-LO COM A TRANQUILID­ADE DE QUEM ESTAVA PREPARADO PARA TUDO. DEFINITIVA­MENTE PARA TRÁS FICARAM OS RESQUÍCIOS DO DESRESPEIT­O QUE FOI TORNÁ-LO SUPLENTE DE FILIPE AUGUSTO E ALFA SEMEDO…

- RUI DIAS

Está a expressar-se com a coragem infundida pela aventura que, sabemo-lo hoje, o inspirou nos momentos de maior fraqueza; concluiu assim o processo de recuperaçã­o da longa paragem que lhe enferrujou o físico, agitou o espírito e incinerou a esperança – prova de que nunca se deu por vencido e manteve a orientação como profission­al íntegro e ambicioso, incluindo nesse período em que navegou sem bússola e contra a corrente. Samaris reocupou agora o lugar que já lhe pertencera e fê-lo com a tranquilid­ade de quem estava preparado, ao contrário de quando mostrou agitação e até revolta pelos sucessivos sinais de desconside­ração e, sejamos claros, de desrespeit­o – foi suplente de Filipe Augusto e Alfa Semedo...

O grego correspond­e a um estilo

mais livre e a uma ideia menos estrita da função; não é a âncora inamovível, que zela apenas por equilíbrio, segurança e todo o género de compensaçõ­es; é um futebolist­a mais completo, com vasto campo de ação, mesmo que perca em eficácia defensiva. Samaris revela perspicáci­a lúcida e penetrante, pelo rigor sistemátic­o, metódico e inteligent­e do que faz, ao qual acrescenta ideias dispersas, alguma improvisaç­ão e uma estridênci­a suscetível de beliscar a sobriedade, ponto de partida para o que tem de fazer. Fejsa parece inatingíve­l na concentraç­ão: atua de headphones, indiferent­e ao ruído exterior, como se tivesse decorado uma enciclopéd­ia. Samaris não joga de cátedra, mas domina também a matéria-prima do ofício. Ao contrário das aparições fugazes ocorridas durante a travessia do deserto, nas quais se sentia em avaliação sistemátic­a e vivia a agonia de sucessivos exames que o desestabil­izavam, o grego regressou imune a ondas de ansiedade. Ouviu a chamada, entendeu-a, arregaçou as mangas e deixou-se levar com um novo alento para jogar como sabe.

No regresso ao palco, os holofotes iluminaram o grande intérprete, intacto depois da tempestade, mas também um homem identifica­do com o clube e conhecedor dos alicerces da sua história; um combatente sem resquícios de revolta e que, não menos importante, recuperou a imagem de cidadão integrado no meio, elemento cujo fator mais significat­ivo é o domínio perfeito da língua. Samaris confirma, agora que volta a estar no centro das atenções, que a vocação dominante é integrar-se no cenário social que o envolve, dominar o idioma e ser sensível à cultura do emblema que traz ao peito. Também por isso, o povo rendeu-se ao poder de sedução penetrante do estrangeir­o que é um deles e se sente em casa.

Frente ao Eintracht, para lá do fogo de artifício deslumbran­te e esmagador de João Félix, foi Samaris o mais importante jogador do Benfica; o que executou mais ações relevantes para a consistênc­ia e harmonia do coletivo; o líder silencioso que comandou o exército em quase todas as fases de um jogo muito exigente, fazendo-o à custa de sentido estratégic­o irrepreens­ível e de uma inteligênc­ia tática extraordin­ária. Samaris vaichegar com30 anos ao fimdo contrato como Benfica. Pondo de parte as questões financeira­s – para isso vale a ideia de Gabriel García Márquez, segundo a qual “os assuntos de honra são arquivos sagrados a que só têm acesso os donos do drama” –, será difícil explicar à família encarnada, depois de ressurreiç­ão tão surpreende­nte e espetacula­r, que não se vai fazer tudo para manter jogador tão influente, fiável e amado. O futebol avança empurrado pelos ventos da constante renovação, tendo o dinheiro como centro nevrálgico de todas as decisões. Mas chega sempre um momento em que, mesmo face a alternativ­as válidas e porventura mais vantajosas, é obrigatóri­o olhar para este fenómeno de regras singulares e tantas vezes inexplicáv­eis como um laboratóri­o de perversão a evitar. Há decisões que só podem ser tomadas sob o signo do senso comum. Isto é, atendendo ao pulsar dos adeptos.

OUVIU A CHAMADA, ENTENDEU-A, ARREGAÇOU AS MANGAS E COMEÇOU A JOGAR COMO SABE. FÁCIL

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 ??  ?? O modo como sente o Benfica, mesmo nos tempos em que não era opção, é um fator a ter em conta na hora de decidir o futuro
O modo como sente o Benfica, mesmo nos tempos em que não era opção, é um fator a ter em conta na hora de decidir o futuro
 ??  ?? Com a chegada de Bruno Lage, Samaris reconquist­ou o espaço perdido. Tornou-se, de novo, peça fundamenta­l no Benfica
Com a chegada de Bruno Lage, Samaris reconquist­ou o espaço perdido. Tornou-se, de novo, peça fundamenta­l no Benfica
 ??  ?? Mesmo tendo em conta que podem jogar juntos (fizeram-no com o Eintracht), o grego rendeu Fejsa como titular indiscutív­el
Mesmo tendo em conta que podem jogar juntos (fizeram-no com o Eintracht), o grego rendeu Fejsa como titular indiscutív­el
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