Record (Portugal)

O castigo a Vieira e o ataque ao regime

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LUÍS FILIPE VIEIRA É O PRESIDENTE DO BENFICA E QUER SER O PRESIDENTE DE UM REGIME QUE NÃO CONSINTA DECISÕES CONTRA OS ALEGADOS INTERESSES DO CLUBE. É UMA VISÃO QUE FEZ ESCOLA NO FUTEBOL EM PORTUGAL

presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, foi castigado pelo Conselho de Disciplina da FPF com 90 dias de suspensão, por declaraçõe­s proferidas no final do jogo com o FC Porto para as meias-finais da Taça da Liga, dirigido pelo árbitro Carlos Xistra e com Fábio Veríssimo na função de VAR.

O Benfica via um seu segundo

golo ser mal anulado (que faria o 2-2 num jogo que terminaria em 31 para o FC Porto), mas uma coisa é a identifica­ção e a afirmação do erro; outra coisa é a forma como se faz. E os presidente­s em Portugal, salvo algumas excepções, confundem as duas coisas.

É bom entender que quando Luís

Filipe Vieira prestou as declaraçõe­s no final do jogo (“esse homem não pode apitar mais”), havia apenas percepções e certezas de nada. A existência de linhas certificad­as de fora-de-jogo tinha muito provavelme­nte evitado um erro de avaliação da equipa de arbitragem; tinha dispensado Vieira de fazer as consideraç­ões que fez e tinha poupado o presidente do Benfica a um castigo e às manobras de comunicaçã­o oficiais que se lhe seguiram. O ‘futebol tecnológic­o’ tem de acelerar as soluções tecnológic­as. Esse é um ponto essencial. Não pode ficar escravo de mentalidad­es obsoletas.

O jogo em causa realizou- se a 22 de Janeiro, em Braga, e depois disso Fábio Veríssimo nunca mais foi colocado a dirigir jogos do Benfica, nem no campo nem na função de vídeo-árbitro. O que levanta uma questão sobre os ‘castigos’ do CA e sobre os vetos que os clubes querem sugerir ou forçar. No primeiro caso, não há um critério transparen­te sobre as consequênc­ias de um mau desempenho de um árbitro ou de uma equipa de arbitragem. E isso tem a ver com o facto, muito negativo, de não haver, entre a opinião pública em geral, o conhecimen­to de como os árbitros são avaliados. O processo é omisso, incompleto e nublado – e manter tudo ‘em segredo’ não parece boa política, num tempo em que tudo é escrutinad­o ao milímetro. O processo de classifica­ções dos árbitros não pode ser tratado como se estivéssem­os a falar de uma sociedade secreta. E, se é, tem de deixar de ser.

Aineficáci­a do sistema é medonha. Vejamos este caso do castigo ao presidente do Benfica. A via processual é a mesma de sempre: um grande protagonis­ta é castigado, sai a respectiva ‘comunicaçã­o’ a fazer o espectácul­o do crime lesa-futebol e perseguiçã­o à instituiçã­o, segue-se o recurso, com ou sem providênci­as cautelares, consoante o que esteja em causa, para se conseguir o máximo efeito dilatório possível, os castigos são decididos, posteriorm­ente, em momentos em que, perdoe-se-me a expressão, nada têm a ver com nada, instala-se a ideia de impunidade e a banda segue, quase sempre de forma a atenuar as sanções.

Toda a gente já percebeu a ‘técnica’ de Vieira. Não dar sossego a ninguém que tenha o desplante de colocar em causa o seu poder. Já foi assim historicam­ente com o FC Porto e, com o Sporting, com um canivete na mão, o ex-presidente tentou reclamar para si o mesmo quinhão de influência e de capacidade de resposta. É este princípio que está errado e que coloca numa posição de enorme fragilidad­e, como tenho dito, a Assembleia da República, o sistema judicial e a própria comunicaçã­o social. Neste tapete cheio de pregos e de coacção evidente, a maior parte fica pelo caminho. Porque acha que – nesse domínio da dependênci­a e de um certo servilismo – tem sempre algo a ganhar, nem que sejam umas migalhas. É difícil de resistir e o sistema não se renova nem se regenera. Dramático.

O foco já esteve, e ainda está, de algum modo, em José Fontelas Gomes, mas rapidament­e se virou para José Manuel Meirim, titular da ‘pasta’ da Disciplina, porque teve o desplante de castigar o presidente do Benfica com três meses de suspensão. O horror, a desgraça, a ousadia, o caos.

O Benfica gostaria de clonar os ‘Guerras’ desta vida e colocar a soldadesca, um por um, depois de saírem da linha de montagem, no Conselho de Arbitragem, no Conselho de Disciplina, nas bancadas parlamenta­res, nas administra­ções das empresas privadas, para assim ter a certeza de que não é prejudicad­o. Mas sejamos justos: o FC Porto de Pinto da Costa fez escola, no futebol português, com a mesma mentalidad­e, e o Sporting só não avançou nesses mesmos domínios por impotência e incompetên­cia.

Em Portugal, falta uma escola de formação para dirigentes desportivo­s. Quando a base está errada, tudo o resto fica comprometi­do.

Por este andar, é uma questão de tempo. O futebol, em Portugal, já faz parte de uma indústria muito pouco credível. Os títulos podem valer muito dinheiro, mas na consciênci­a das pessoas já valem muito pouco.

Esta coisa de os clubes quererem definir e ser os regimes e colocar os regimes ao seu serviço, para além de ser uma coisa muito pouco democrátic­a, é nos seus impulsos um ataque inaceitáve­l à própria Democracia.

NOTA - A recente vitória europeia do FC Porto no escalão de sub-19 merece todos os encómios mas deve fazer pensar toda a comunidade portista relativame­nte ao que se passou nos últimos anos na formação azul e branca, com muito poucos jogadores a chegarem à equipa principal. * Texto escrito com a antiga ortografia

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VIEIRAE O REGIME. Luís Filipe Vieira é ‘apenas’ o presidente do Benfica e não mais do que isso. O ‘regime’ tem de estar aberto a todos os clubes e a Disciplina e a Arbitragem não podem estar tuteladas nem pelo Benfica nem por outro clube qualquer
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