“Casillas? Deus!”
OS MEUS FILHOS SÃO DO AT. MADRID E NÃO GOSTAM DOS SÍMBOLOS LIGADOS AO REAL. MAS HÁ EXCEÇÕES. IKER NÃO É UM FUTEBOLISTA QUALQUER. É UM ÍDOLO EM TODA A PARTE
TODA A ESPANHA, MAIS TARDE OU MAIS CEDO, ACABOU POR GLORIFICAR AS CONQUISTAS DE IKER
Os meus dois filhos nasceram em Espanha, mas são completamente ibéricos. Em Portugal, o Paulinho torce pelo FC Porto e o Fábio, o mais novo, apoia o Benfica. Mas o clube do coração deles, que os faz sofrer, chorar e rir, é o Atlético Madrid. E como qualquer colchonero, também eles não gostam do Real Madrid.
Ora, Iker Casillas foi o guardaredes e um dos maiores símbolos do Real durante muito tempo.
Logo, para os adeptos do Atlético, era um dos rostos principais do inimigo. E pior ficou quando o Iker passou a ser capitão de equipa. O capitão é o líder e uma das bandeiras do rival. Por isso, habituei-me a ouvir os meus filhos dizerem coisas horríveis sobre o Casillas. Diziam eles e diziam quase todos os que vibram com o Atleti.
Em relação às seleções, nos Europeus e Mundiais,
o Paulinho e o Fábio apoiam sempre Portugal e Espanha. Quando uma cai primeiro, ficam com a outra. E quando se defrontam as duas (como aconteceu em 2004, 2010, 2012 e 2018) não ficam felizes nem tristes com o resultado final porque sabem que vão ter sempre uma das duas para continuar a apoiar.
No Euro’2008, claro, ficaram muito contentes com a vitória
de Espanha, liderada pelo meu querido Luis Aragonés. Pintaram a cara com as cores da bandeira e foram para as ruas festejar com os amigos. Passados uns dias, meti-me com eles porque o Iker tinha sido muito importante. “Então e o Casillas? Esteve muito bem neste jogo, foi fundamental naquele, fez ali uma grande defesa.” Eles, embora já sem dizerem mal, reagiam com indiferença. Nem ai, nem ui.
Até que chegamos a 2010.
Espanha sagra-se campeã do Mundo e, para mim, 80 por cento desse feito deve-se ao Iker. Basta lembrar, entre tantos outros grandes momentos, que defendeu o penálti do Cardozo, nos quartosde-final (quando o jogo ainda estava empatado a zero) e fez aquela defesa com o pé, ao remate de Robben, na final, levando o jogo para o prolongamento. Esse lance, aliás, ficou imortalizado numa estátua feita por um artista espanhol. E são momentos como esse que fizeram nascer a alcunha de San Iker. O salvador de Espanha.
Os meus filhos, depois da final contra a Holanda,
voltaram a ir para a rua festejar. Agora ainda com mais alegria. Voltei a deixar que passassem uns dias e fizlhes a mesma pergunta. Resposta: “Casillas? Deus!” Nunca mais ouvi da boca deles qualquer palavra desagradável em relação ao Iker. Foi isto que este jogador conseguiu junto de muitos rivais do Real Madrid. Deixou de ser o guarda-redes dos merengues para passar a ser o guarda-redes de toda a Espanha. Um herói nacional. Inclusivamente adorado e respeitado pelos adeptos mais radicais de outros clubes.
Lembro esta história numa semana em que todos apanhámos
um enorme susto com o que lhe aconteceu. Felizmente, o Iker está bem e a recuperar. E acredito que muitos miúdos portugueses, que o viram a vir para o FC Porto em 2015, talvez não tivessem noção desta dimensão planetária do Casillas. É um dos maiores guarda-redes da história. Um dos que mais ganhou. E um dos poucos que foi capaz de gerar unanimidade nos adeptos do futebol espanhol. E estamos a falar de um país com grandes rivalidades (desportivas e culturais), sempre muito fraturado, muito dividido. Mas na última quarta-feira, assim que saiu a notícia, Espanha ficou em choque. Em lágrimas. Com medo por uma das suas figuras mais queridas. E depois respirou de alívio. Porque Casillas não é apenas um grande guarda-redes e um campeão do Mundo. É uma lenda. Força, campeão!