Record (Portugal)

ALVALADE AOS PÉS DO NOVO MITO

Foi o Sporting a resgatá-lo do inferno espanhol. E ele retribuiu jogando como um deus da bola

- RUI DIAS

Catorze golos ao serviço do Saragoça deviam ser suficiente­s para garantir estabilida­de ao jogador na experiênci­a espanhola. Mas tal não aconteceu. O ambiente não era o melhor, criado principalm­ente pelo argentino Arrua, que se sentiu ameaçado com o talento do jogador português. Com tempo suficiente para serem tomadas decisões, Jordão fez chegar à Luz o essencial do recado: não estava feliz e queria regressar a casa. A mensagem foi recebida com surpreende­nte frieza. Mas se o Benfica não revelou sensibilid­ade para resgatar o jogador ao inferno espanhol, o Sporting, liderado por João Rocha, concretizo­u a operação. Os leões receberam-no de braços abertos e Alvalade caiu-lhe aos pés. Jordão iniciaria um ciclo de ouro de verde e branco e lançou uma relação apaixonada com os adeptos. E começou-o da melhor forma: vestiu a camisola pela primeira vez num particular, em Alvalade, com os brasileiro­s do Vasco da Gama e assinou os dois golos da vitória (2-1).

Duas lesões graves no mesmo ano

Os primeiros passos foram agridoces: cedo mostrou estar na posse de todos os argumentos técnicos e físicos, mas o azar bateu-lhe à porta em duas ocasiões, uma em fevereiro, outra em setembro do mesmo ano, ambas traduzidas em fraturas nas pernas, que o obrigaram a longas paragens. A 12 de fevereiro de 1978 foi infeliz na Luz. Uma entrada do benfiquist­a Alberto fraturou-lhe a tíbia da perna esquerda, em jogo que os encarnados venceram por 1-0, com um célebre golo de Vítor Baptista, que depois obrigou toda a gente a procurar o brinco perdido no momento do remate fatal. A 24 de setembro do mesmo ano, a infelicida­de atingiu o auge quando frente ao Famalicão, em Alvalade, um choque com José Eduardo, de quem se tornaria amigo para o resto da vida, lhe provocou fratura do perónio esquerdo e rotura de ligamentos do tornozelo.

Outra vez campeão e melhor marcador

Em 1979/80, recuperado dos problemas físicos, aperfeiçoo­u a integração no clube e consolidou o entrosamen­to com o parceiro dileto da glória conseguida em Alvalade: Manuel Fernandes, o capitão e avançado com quem se entendeu de olhos fechados e de quem se tornou cúmplice e amigo fora das quatro linhas. Era emocionant­e ver os dois em campo e o modo como se completava­m;

era notável que a inteligênc­ia, a objetivida­de, a estética nos gestos e o entendimen­to entre ambos atingisse um grau de perfeição tão elevado, como se os dois fossem, afinal, um só. Em 1980, Jordão festejou o título nacional, fazendo-o na pele de melhor marcador do campeonato.

Oliveira junta-se à festa verde e branca

Para 1981/82, o Sporting reforçou os seus quadros com um dos maiores génios do futebol português, António Oliveira. As sinfonias que o trio atacante leonino protagoniz­ou tornaram-se as mais belas do seu tempo e das mais eloquentes de sempre. Jordão viu-se enquadrado por dois jogadores que souberam entender o seu talento e o seu estilo. De três excecionai­s jogadores, dos melhores que Portugal conheceu, se pode dizer que o resultado final da produção conjunta era superior ao muito que cada um oferecia. O Sporting, comandado por Malcolm Allison, voltou a ser campeão em 1982.

Grande figura do Europeu de França

Os anos seguintes não foram totalmente felizes e o Sporting foi-se afastando, aos poucos, da luta pelo título. O oásis surgiu em 1984 quando a conjugação entre as potências Benfica e FC Porto resultou uma grande Seleção Nacional da qual era ele o ponta-de-lança de eleição – ao lado de Fernando Gomes, Nené ou Manuel Fernandes. Foi um golo de Jordão à União Soviética, de penálti, que colou Portugal na fase final do Europeu de França, onde a equipa nacional chegou com uma formação fortíssima, referencia­da a partir dos seus golos e da sua qualidade, mais o talento deslumbran­te de Fernando Chalana. Não fossem os 32 anos que tinha na altura e os grandes europeus não teriam permitido o regresso a Alvalade. Para a eternidade ficou a meia-final com a França, jogo em que marcou os dois golos portuguese­s.

Manuel José, Torres e o Mundial’86

O Campeonato do Mundo de 1986 apanhou-o numa época difícil da carreira. Perdeu o prazer do futebol, relativizo­u as obrigações inerentes aos treinos e Manuel José, então treinador do Sporting, não lhe perdoou: a partir de certa altura deixou de contar com ele. O eterno parceiro de ataque, Manuel Fernandes, fez uma temporada sensaciona­l, chegaria aos 30 golos, insuficien­tes para convencer o selecionad­or nacional, José Torres. A três jornadas do fim, Jordão surgiu a titular do Sporting frente ao Sp. Covilhã: fez uma grande exibição e marcou dois golos, abrindo a porta à presença no México’86. José Torres considerou que ainda ia a tempo. Mas impôs uma condição: teria de atuar no jogo seguinte, na Luz, frente ao Benfica. Manuel José foi implacável e recusou dar-lhe um lugar no onze. Dois anos depois de ter sido uma das estrelas do Euro’84, Jordão viu-se afastado do Mundial.

O adeus em Setúbal

Sem surpresa, abandonou o Sporting no final dessa temporada e a perspetiva era a de abandonar o futebol. Parecia inevitável, atendendo ao comportame­nto ao longo da época, no qual manifestou alguma saturação do jogo e, principalm­ente, do treino. Contra todas as expectativ­as, surge no V. Setúbal, na 2ª Divisão, equipa e cidade nas quais acabaria por se reconcilia­r com o futebol. Em 1987/88, o Vitória recupera uma das mais famosas duplas de avançados da história, com a contrataçã­o de Manuel Fernandes. Jordão viveu três épocas felizes no Sado, de tal forma que voltaria à Seleção Nacional com a bonita idade de 37 anos, com a qual se despediu da ribalta futebolíst­ica.

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TRIO. Manuel Fernandes, Jordão e Oliveira foram responsáve­is por momentos inesquecív­eis
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 ??  ?? ÍDOLOS. A festa do golo, com Manuel Fernandes, foi uma constante DOR. Em setembro de 1978, Jordão sofreu grave lesão na Luz, na sequência de um despique com o benfiquist­a Alberto DESAVENÇA. Manuel José não permitiu a Jordão a chamada à Seleção Nacional que esteve no Mundial do México’86 ALEGRIA. Três anos em Setúbal serviram para se reconcilia­r com o futebol, terminar a carreira em grande estilo e voltar à Seleção DUPLA. Com Chalana, grande estrela da Seleção em 1984. Uma dupla de ouro, que deu grandes alegrias ao futebol português
ÍDOLOS. A festa do golo, com Manuel Fernandes, foi uma constante DOR. Em setembro de 1978, Jordão sofreu grave lesão na Luz, na sequência de um despique com o benfiquist­a Alberto DESAVENÇA. Manuel José não permitiu a Jordão a chamada à Seleção Nacional que esteve no Mundial do México’86 ALEGRIA. Três anos em Setúbal serviram para se reconcilia­r com o futebol, terminar a carreira em grande estilo e voltar à Seleção DUPLA. Com Chalana, grande estrela da Seleção em 1984. Uma dupla de ouro, que deu grandes alegrias ao futebol português

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