Rui Pinto: argumentos e contradições
QUEM VAI CONQUISTAR A OPINIÃO PÚBLICA: RUI PINTO OU O MINISTÉRIO PÚBLICO? O SEGUNDO TEM MAIS A PERDER
Como em qualquer julgamento mediático, uma parte relevante da batalha que Rui Pinto vai travar com a Justiça passa por conquistar a opinião pública. A entrevista que o alegado ‘hacker’ dá à ‘Der Spiegel’ – mais uma – tem esse propósito.
A sua tese tem a seguinte síntese:
o Ministério Público, vulnerável à influência de interesses poderosos, onde se destaca o Benfica, está focado apenas em condená-lo e pouco ou nada em usar a informação que ele sacou para investigar crimes ligados ao futebol.
“Se olharem para o Benfica,
o maior clube em Portugal, podem ver que é como um polvo de influência sobre a elite da nação. O Benfica está bem ligado à polícia, aos procuradores e aos políticos e dá-lhes regularmente bilhetes VIP de borla para os jogos do clube. Seria um enorme conflito de interesses se alguma vez tivessem de investigar o Benfica de forma séria”, diz Rui Pinto. Há vários processos judiciais em curso em que o Benfica e o seu presidente são alvos. A investigação é séria? A do caso E-Toupeira deixou dúvidas, mas uma árvore não faz a floresta. É preciso aguardar pelo desfecho dos outros casos.
“Eles não querem usar
os dados que eu reuni, que têm imensas provas de crimes cometidos por gente poderosa do mundo do futebol. Revelei más práticas no interesse do bem comum. Mas o único perseguido sou eu, o denunciante. Retratam-me como um perigo para a segurança pública.”
É esta a imagem que o Ministério Público
quer passar para a opinião pública. Rui Pinto não tem nada de herói, apenas de vilão. Não é um denunciante, apenas um perigoso pirata. Ter alegadamente arrombado e espiolhado grandes clubes, a FIFA, a
UEFA, grandes sociedades de advogados ou a PGR expôs uma enorme vulnerabilidade e pôs negócios em causa. A pressão para um castigo exemplar é enorme.
Tirando o processo E-Toupeira,
que decorre dos emails alegadamente pirateados por Rui Pinto e cedidos a Francisco J. Marques do FC Porto, não há notícia de mais investigações com base na informação que consta dos discos. É estranho. A informação disponibilizada por Rui Pinto através do Football Leaks foi usada pelo Consórcio
Europeu de Jornalismo de Investigação para denunciar uma série de casos, com alguns deles a chegarem à Justiça em países como Espanha ou França.
Isto dá cobertura à ideia de que o Ministério Público está muito mais interessado em engavetar Rui Pinto do que em usar a informação de que ele dispõe para ir atrás de peixe graúdo. Mas Rui Pinto não consegue fugir às suas próprias contradições. Às tantas perguntam-lhe se admite os atos de pirataria. Rui Pinto até aceita que, à luz da legislação portuguesa, alguns dos seus atos possam ser considerados ilegais, mas remata: “Não me considero um ‘hacker’”. E o que todos nos questionamos é como alguém que não é ‘hacker’ tem tanta informação comprometedora sobre tanta gente. Mais à frente diz: “Para mim, pirataria é entrar num sistema à força e explorá-lo. Eu nunca fiz isso”. Rui Pinto agarra-se a pormenores jurídicos para negar o inegável. Às tantas perguntam-lhe pelos 27 terabytes de dados por si recolhidos e que estão na posse dos procuradores franceses. “Está tudo encriptado, e eu sou a única pessoa que tem as senhas, memorizadas na minha cabeça”. Os tais dados que Rui Pinto diz não ter pirateado e que ainda lhe podem ser úteis se lhe oferecerem uma delação premiada.
Nada aqui é bonito. Mas o mais feio será mesmo no fim ficarmos com a ideia de que há interesses intocáveis.
MP QUER PASSAR A IMAGEM DE QUE RUI PINTO NÃO TEM NADA DE HERÓI, APENAS DE VILÃO