Efeitos da quarentena
É BEM PROVÁVEL QUE A INTERRUPÇÃO NA LIGA E O ISOLAMENTO DOMICILIÁRIO QUE SE LHE SEGUIU TENHAM O CONDÃO DE ESBATER OS DIFERENTES ESTADOS DE ALMA QUE VIVIAM O FC PORTO E O BENFICA
Se correr bem, e caso se confirmem os cenários mais otimistas que iriam permitir jogar as últimas dez jornadas da Liga até meados de julho, a quem terá servido melhor a presente suspensão do campeonato (do ponto de vista meramente desportivo, entenda-se)? Ou, dito de uma forma mais de acordo com as circunstâncias devastadoras que atravessamos, esta paragem imposta pela Covid-19 será mais perniciosa para que clubes? O que aqui se propõe é, obviamente, um exercício especulativo e assumidamente imperfeito, mas mais vale agarrarmo-nos a estas discussões metafísicas que o futebol sempre proporciona, do que fazermos como os milhares de norte-americanos que, em várias zonas dos EUA, decidiram armar-se até aos dentes com espingardas e pistolas automáticas para lutarem contra um inimigo microscópio (mal por mal, até acaba por ser mais compreensível a corrida kafkiana ao papel higiénico).
Quando a Liga foi interrompida (após uma 24.ª jornada em que o Benfica foi empatar a Setúbal e o FC Porto também não conseguiu melhor do que dividir os pontos com o Rio Ave, no
Sp. Braga e Sporting vão litigar, num minicampeonato à parte, na luta pelo terceiro posto, e vai ser curioso observar a capacidade de resposta de dois treinadores em início da carreira no futebol profissional e que nunca tiveram de maquinar uma pré-época. Só mais tarde se descobrirá se estão preparados para o repto, até por não haver grande ‘know-how’ em Portugal sobre como fazê-lo a meio da prova. Rúben Amorim e Custódio terão, por outro lado, o tempo que não teriam sem a interrupção para passar e ensaiar as suas ideias. No Sporting já estará disponível Mathieu (Luiz Phellype é mais difícil), o que é uma grande vantagem, enquanto o Braga já terá resolvido a praga de lesões que afetou os centrais. Trincão terá de esticar um pouco a duração do seu contrato, antes de seguir para Barcelona.
Dragão), mantinha-se não só a liderança do FC Porto (com mais um ponto do que o Benfica), mas também a supremacia psicológica de uma equipa portista que conseguira anular sete pontos de atraso enquanto o diabo esfrega um olho. Ao invés, o Benfica parecia desgovernado até do ponto de vista emocional, por força do surpreendente acumulado de maus resultados (empatou os últimos três jogos e só venceu um dos últimos oito) e da consequente descida ao segundo lugar. O desaire no Dragão, a 8 de fevereiro, assinalou o início do calvário, mas as exibições descoloridas já vinham de trás.
Ora, é bem provável que esta interrupção nas competições e a quarentena que se lhe seguiu tenham o condão de esbater os
diferentes estados de alma que viviam tanto as duas equipas como os próprios adeptos do FC Porto e do Benfica. Até porque o júbilo e o padecimento de então parecem hoje minudências sem importância quando comparadas com o impacto desta desumana pandemia que ameaça a vida humana e nos trouxe uma insegurança pavorosa.
Claro que este nivelamento anímico não resolve o problema principal do Benfica: o seu jogo tinha-se tornado demasiado académico, pastoso e fácil de responder e os adeptos andavam inquietos com a pobreza da proposta de jogo oferecida pela equipa, onde só a luz de Taarabt brilhava de forma diferente entre tanta obscuridade. É este transtorno que terá de ser resolvido por Bruno Lage, que precisa de aproveitar a clausura domiciliária para deslindar a origem do problema. Poder voltar a contar com André Almeida, Gabriel e até Jardel é uma vantagem, mas algumas das debilidades já eram patentes com eles em campo.
O FC Porto, que também voltará a ter disponível um jogador importante como é Luis Díaz (para além de Zé Luís e talvez Vítor Ferreira), também vinha tendo exibições oscilantes. Mas a equipa de Sérgio Conceição consegue, muitas vezes, disfarçar os problemas com o suplemento de alma que lhe é imposto pelo treinador. Quando não vai a bem, vai a mal… Mas será interessante perceber se algumas vicissitudes laterais poderão influenciar o rendimento da equipa e meter alguma areia na engrenagem. Não tanto pelo processo eleitoral, que até está suspenso, mas principalmente pela complicada situação financeira, que se terá agravado ainda mais.
A DIFÍCIL SITUAÇÃO FINANCEIRA PODE NA ENGRENAGEM DO DRAGÃO
Já é consensual que o regresso à competição, a acontecer, terá de ser antecedido por um período de preparação (duas semanas?), uma espécie de pré-época a meio da temporada. Será uma situação excecional e que terá de ser preparada com minúcia pelas equipas técnicas, desde logo por exigir muito cuidado na gestão de jogadores que, nalguns casos, já somam 40 ou mais jogos.