Record (Portugal)

O eterno mito do retorno

- Pedro Adão e Silva Professor Universitá­rio

Há muito que a sociologia da emigração alimenta a hipótese de que o regresso ao país é mais uma construção mitificada do que uma realidade concreta. No mundo do futebol não é muito distinto. Os jogadores saem, para garantir o futuro financeiro e, já agora, para encontrar quadros competitiv­os mais interessan­tes, mas vão sempre deixando cair a ideia de que gostariam de voltar um dia para jogar pelo clube do coração.

Só que a ideia do jogador adepto, destinado a retornar a casa, alimenta sonhos nos seguidores de cada clube, mas nunca se concretiza. Talvez, na verdade, não seja bem assim: há excecional­mente jogadores que regressam, mas, quando de facto o fazem, é já tarde e serve mais para frustrar expectativ­as do que para devolver a glória em campo.

Durante as últimas semanas não faltaram declaraçõe­s sentidas de jogadores, demonstran­do amor aos clubes de origem. Porventura intensific­adas pelo confinamen­to, certamente ainda mais difícil para quem é emigrante. Na semana passada, numa animada conversa na BTV, três filhos do Seixal não escaparam à tendência. Entre memórias das conquistas de águia ao peito, Gonçalo Guedes, Nélson Semedo e Renato Sanches deixaram a promessa: regressar ainda com capacidade de conquistar títulos. Renato afirmou mesmo “não querer regressar muito velho”, Nélson assegurou que “gostava de voltar ainda capaz de dar tudo e ajudar” e Guedes confessou que “podemos jogar noutro clube qualquer, dar o máximo. Mas jogar no clube do coração é diferente. Sentimos amor à camisola e isso faz diferença”.

Possivelme­nte, reside aqui a chave para cumprir a promessa de conquistas europeias com base no Seixal. Como resulta óbvio, reter talento é uma impossibil­idade, mas talvez haja margem para fazer regressar talento.

Não digo que isso aconteça aos 25 ou 26 anos, mas com a dose certa de ambição e esforço financeiro, o Benfica terá condições para fazer regressar alguns dos jogadores formados no Seixal ainda antes do ocaso das suas carreiras. Não é difícil pensar em algumas soluções criativas que concederia­m os incentivos certos para promover alguns regressos (ninguém ficaria chocado se o tecto salarial fosse ultrapassa­do e se existissem prémios adicionais para contratar jogadores com muitos anos de Benfica).

Uma equipa madura e com identidade será a melhor forma de continuar a acolher jovens jogadores vindos da formação mas dará também garantias de maior competitiv­idade. Para que tal fosse possível, era necessário afastar de vez o princípio errado de que não se pode contratar jogadores maduros e voltar a dar prioridade ao retorno competitiv­o. Pode ser que, assim, se cumpra um dia o desejo de todos: vermos aquele que poderia ter sido o melhor lateral-esquerdo da nossa história, Bernardo Silva, finalmente a jogar pela equipa principal.

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