Record (Portugal)

Um avançado que serve para tudo

RAÚL JIMÉNEZ É VERTIGINOS­O E PACIENTE; CORAJOSO E INSTINTIVO; SOLIDÁRIO E HERÓI; EXUBERANTE E SÓBRIO; OBSESSIVO MAS BEM-FORMADO. ENTREGA-SE POR INTEIRO AO JOGO E DESGASTA-SE. NA HORA DA VERDADE BAIXA AS PULSAÇÕES E SÓ TEM OLHOS PARA O GOLO

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çDiz-se que o Wolverhamp­ton pensa na contrataçã­o de Vinícius ao Benfica, envolvendo números estratosfé­ricos e surpreende­ntes (60 milhões) para o momento que o Mundo atravessa. A operação só faz sentido como preparação para a provável saída de Raúl Jiménez para um grande inglês – e se está disposto a pagar tanto pelo substituto, não é preciso ser um génio para concluir que os números da eventual saída do ex-Benfica serão ainda mais expressivo­s. Porventura mais estranho ainda do que o futebol gerar negócios tão avultados, é entender como um jogador tão valioso em todos os parâmetros de avaliação não triunfou de forma inequívoca quando passou por Portugal.

RJ serve para qualquer estilo, é importante em todas as estratégia­s e adapta-se a qualquer escola. É generoso, disponível e tem qualidades físicas para dar profundida­de e acutilânci­a a um futebol mais retraído, que se estica a partir de passes longos ou de cavalgadas iniciadas atrás; correspond­e a um jogo mais geométrico, de linhas retas, manifestan­do os traços largos que lhe permitem alimentar um jogo mais direto e, por isso mesmo, mais impreciso. O mexicano tem fôlego e inteligênc­ia para se dedicar a deslocamen­tos amplos e constantes, mesmo que isso lhe retire criativida­de e danifique o instinto goleador.

Visto segundo estes parâmetros, RJ seria um jogador estrito, condenado à solidão e a números fatalmente inexpressi­vos – nenhum ponta-de-lança marca com regularida­de em equipas que pensam o jogo ocupando o espaço defensivo e imaginam o ataque através de excursões esporádica­s e breves ao meio-campo do rival. No Wolverhamp­ton encontrou o paraíso onde descobriu o habitat para se expressar por inteiro, porque a versatilid­ade tática e estratégic­a da equipa comandada por Nuno Espírito Santo lhe oferece soluções que vão para lá do martírio que é passar hora e meia a correr de um lado para o outro, para a frente e para trás, entregue à sua sorte que é, muitas vezes, o azar de fazê-lo com a prévia sentença de um fracasso anunciado.

Mas esse não é o melhor cartão de visita para entusiasma­r as maiores potências. RJ, que leva 22 golos apontados em 44 presenças (na época passada somou 17 golos), consolidou-se como avançado de equipa grande, surpreende­nte quando solicitado em ataque posicional. Depurou o posicionam­ento, o tempo de entrada aos lances e o talento para antecipar o que vai suceder centésimos de segundo à frente; mede na perfeição forças e debilidade­s de tudo e todos quantos o rodeiam e ainda acrescenta a essas virtudes soluções físicas impression­antes (força, fôlego, velocidade, impulsão…) – isso para lá de não pedir licença para sacar de argumentos técnicos normalment­e escondidos como habilidade, vocação para o adorno, jogo de cabeça, articulaçã­o motora, capacidade de tiro e pontaria.

RJ é inteligent­e na interpreta­ção de cada momento que apela à sua intervençã­o no jogo e tem o gene raro de, ao mesmo tempo, ser vertiginos­o e paciente; futebolist­a e goleador; corajoso e instintivo; solidário e herói; exuberante e sóbrio; obsessivo mas bem-formado. Na estrela do seu futebol abrangente brilham as pontas de calor, entrega, compromiss­o, persistênc­ia e explosão. Mas a esses argumentos o mexi- cano acrescenta o acerto dos movimentos finais do bordado. E a orientação de sprints curtos e firmes que o aproximam do último toque, para o qual transporta qualidades distintas e inesperada­s, traduzidas no modo como descarrega o veneno acumulado em cada ação. Nem todos os avançados são capazes de, no culminar de um processo desgastant­e, serem tão frios, racionais e eficazes. Esses, em vez de se mostrarem ansiosos, baixam as pulsações e só têm olhos para o golo. É isso, no fundo, que os distingue e valoriza.

NEM TODOS SÃO CAPAZES DE SER TÃO EFICAZES NO CULMINAR DE PROCESSOS TÃO DESGASTANT­ES

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O Atlético não foi uma boa opção para o mexicano. Não encontrou espaço e, apesar dos créditos, só fez um golo
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Em Portugal deu enorme passo na sempre pretendida afirmação europeia. Marcou 31 golos de águia ao peito
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Com o cresciment­o futebolíst­ico, aumentou a influência na seleção mexicana. Leva 83 jogos e 23 tiros certeiros
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