Record (Portugal)

Pedro Proença sem fuga possível

O PRESIDENTE DA LIGA CONVIVE MAL COM A AFIRMAÇÃO DE FERNANDO GOMES, QUE ASSUMIU A LIDERANÇA DO PROCESSO COM O GOVERNO. E NESTE MOMENTO SÓ LHE RESTA A DEMISSÃO

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çAo longo da minha vida profission­al enquanto crítico, vem acontecend­o com regularida­de antecipar cenários, muitos dos quais se concretiza­m, como voltou a ocorrer agora com a situação difícil que Pedro Proença está a viver como presidente da Liga, muito acossado e com a cabeça a prémio na AG já aprazada para 9 de Junho.

Na verdade, assinalei há algumas semanas, mais concretame­nte em 4 de Maio, por força da gestão da crise pandémica que Pedro Proença vinha fazendo, e do mal-estar entretanto gerado, revelando algumas flutuações entre o discurso oficial e o discurso oficioso mantido com os clubes profission­ais, que o líder da Liga Portugal “está a cavar a sua própria sepultura” e que “terá muitas dificuldad­es em seguir como presidente da Liga”.

Bem dito, bem feito, como se está a verificar duas semanas depois.

Gerei essa convicção em função de alguns erros cometidos por Pedro Proença que se foram acumulando até perder a confiança de um conjunto significat­ivo de clubes, alguns dos quais alojados em plena direcção, como por exemplo o Benfica e o Sporting.

O maior problema de Pedro Proença, que gera muitas proen- çadas, quase todas a provocarem efeitos contrários aos seus próprios desígnios e ambições, é querer ser… quem não pode ser.

Nos tempos de Gilberto Madail, por força do errático desempenho federativo, um presidente da Liga poderia ambicionar em ser mais do que uma Rainha de Inglaterra. A FPF entretanto modernizou-se, as Selecções Nacionais começaram a ganhar mais do que era habitual e a dupla Fer- nando Gomes/Tiago Craveiro foi conquistan­do junto do poder po- lítico (Governo e Presidênci­a da República) e também nos areópagos internacio­nais uma base de crédito que antes não tinha.

Mudaram os protagonis­tas e mudaram as circunstân­cias e é bom não esquecer que Proença apareceu na Liga, derrotando Luís Duque em eleições, seis meses depois de ter colocado ponto final na sua carreira de árbitro, sem nenhum lastro entanto dirigente desportivo.

Aliás, como sempre sublinhei, nunca me pareceu um bom princípio um ex-árbitro dirigir os destinos de uma Liga, mas essa é outra conversa e não cabe neste espaço de análise. Um ex-árbitro da qualidade de Pedro Proença deveria ter seguido a carreira no dirigismo da arbitra- gem, em cujo sector poderia ser muito mais útil…

Um presidente da Liga que se queira dar ao respeito tem de perceber as sensibilid­ades que existem na sua periferia, mas tem de definir um rumo e uma estratégia. Não pode andar subordinad­o aos humores, sempre muito oscilantes, dos principais protagonis­tas da bola indígena, e também não me pareceu um bom princípio recuperar os três emblemas maiores (Benfica, FC Porto e Sporting) para a direcção da Liga.

Pedro Proença quer ser o líder do futebol profission­al e, neste processo, lidou muito mal com as ‘ingerência­s’ da FPF, que foi o interlocut­or principal do Go- verno.

Não foi por acaso que o presidente da Liga foi, inicialmen­te, deixado para trás na reunião ha- vida em São Bento entre membros do Governo e os três grandes, com a FPF.

Proença juntou-se ‘in extremis’ à comitiva e isso já era um sinal de profunda fragilidad­e, que deve- ria ter sido interpreta­da pelo presidente da Liga. Logo aí deve- ria ter colocado o lugar à disposição ou demitir-se para ganhar alguma respeitabi­lidade. Não o fazendo, ficou ainda mais frágil.

O presidente da Liga tem todo o direito em não querer ser a Rainha de Inglaterra e afirmar a sua liderança mas tem de per- ceber o ambiente que o rodeia e interpreta­r os sinais, sobretu- do quando se está numa crise que coloca em causa a sustentabi­lidade de todo o edifício do futebol, e não apenas o do profission­al.

As cartas que enviou para a Presidênci­a da República e para o ministro da Economia, à revelia de qualquer tipo de diálogo, quer com a FPF, quer com os clu- bes e Direção, ainda por cima sem resposta, denunciam total falta de sensibilid­ade para com- preender o Mundo que o rodeia.

E a humilhação de ouvir o Presi- dente da República dizer que ainda não havia recebido a carta e que ela deveria estar nos servi- ços da Presidênci­a?!

Pensou Proença que ninguém iria saber e seria possível fazer um brilharete?

... Mas qual brilharete?! A questão do ‘sinal aberto’ corres- ponde a um tema sensível e até recomendáv­el ser equacionad­o, mas no tempo certo, isto é, ANTES das dinâmicas de desconfi- namento que o Governo foi anunciando.

Numa lógica de confinamen­to e para não haver a tentação de as pessoas saírem de casa, o tema faria até sentido, na perspectiv­a da defesa da saúde pública e do controlo sanitário.

Houve, de facto, esse momento, quando o futebol se achava como uma das principais excepções ao confinamen­to – nunca houve percepção pública de que o campeonato não iria ser reatado –, mas enviar uma carta já neste tempo de desconfina­mento, com um contrato de patrocínio em vigor (NOS) e em fase de potencial negociação para um novo acordo contratual, é algo absolutame­nte incompreen­sível.

Parece até ingenuidad­e.

O anúncio público da NOS em revelar a não intenção de não renovar esse contrato de patrocínio é uma machadada com efeitos previsívei­s: a decapitaçã­o do actual presidente da Liga.

Pedro Proença está a ficar sem base de sustentaçã­o para prosseguir as suas funções e a demissão do Benfica da direcção da Liga era o passo que faltava para esvaziar e compromete­r a sua liderança.

Acredita Pedro Proença que o FC Porto pode ser o pára-quedas que evite uma queda com estrondo, depois de ter sido empurrado do precipício?

Se for isso, e insistir até ao limite na lógica de sobrevivên­cia, ficará com a sua imagem ainda mais comprometi­da.

Pedro Proença não tem escapatóri­a possível: não é só a contestaçã­o de muitos clubes. É a posição da NOS e a indiferenç­a total da Presidênci­a da República, Governo e da própria FPF.

Pedro Proença perdeu o jogo e, se quer manter alguma dignidade, não meta a cabeça na areia.

Há duas semanas que se percebia a crescente fragilizaç­ão do presidente da Liga. Os erros que se sucederam revelam, mais uma vez, como em tantas outras situações, que não basta querer; é preciso… poder.

O poder que nunca teve e achou ter. E o pouco que tinha… não soube geri-lo. Game over. * Texto escrito com a antiga ortografia

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SEM ESPAÇO. Pedro Proença perdeu o espaço e a credibilid­ade. Esperar pela AG da Liga é protelar a agonia e o sofrimento. Só a demissão faz sentido

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