Record (Portugal)

“Nunca sonhei ir aos Jogos, quanto mais sete vezes...”

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Sonhava chegar aos Jogos?

JR – Nunca me passou pela cabeça! Acabou por ser um efeito secundário de um momento, aos 9 anos, quando pela primeira vez, sozinho, consegui deslizar numa prancha de windsurf. Naquele momento percebi que era aquilo que queria fazer na vida. E pretendia fazê-lo na perfeição. Só depois soube que, por acaso, aquilo era uma modalidade. Vieram as provas, na Madeira, no continente, em Espanha e pelo Mundo fora. Jamais pensei nos Jogos, numa só edição, quanto mais em sete e acabar como porta-estandarte do meu País. Estou profundame­nte grato ao que consegui, às inúmeras oportunida­des que tive mas, por estranho que possa parecer, mais que os resultados ou medalhas, valeu pelos dias em que saí da água a dizer a mim mesmo... foi perfeito.

Aconteceu muitas vezes?

JR – Não, poucas [risos], gostaria que tivessem sido muitas mais.

Sete Jogos têm de ter muitos episódios. Destaca alguns?

JR – Dentro de água tive muitos momentos bonitos, é verdade, mas destaco situações fora de água. Em 1992, em Barcelona, nos meus primeiros Jogos, na Cerimónia de Abertura, reparei num irlandês, ao meu lado, que chorava compulsiva­mente. Não era de alegria, nem tristeza, era mais profundo. Levei 28 anos a descobrir o que era. Só no Rio, na Cerimónia de Encerramen­to, quando me aconteceu o mesmo, percebi que aquilo era o significad­o de uma vida. Precisamen­te no Rio, não esqueço a entrada no Maracanã e percorrer o espaço com a bandeira, foi uma alegria indescrití­vel. A outra situação tem a ver com um grupo de atletas. Eu, um mexicano, um espanhol e um brasileiro estivemos em cinco edições dos Jogos. Foram 20 anos a competir em inúmeras provas, ganhámos medalhas em todas (só faltou os Jogos) e a amizade nunca foi beliscada. Muitas vezes falamos em irmãos de mães diferentes. É o caso. Ainda somos amigos...

É preciso uma certa loucura para passar décadas na alta competição de um desporto pouco mediático como a vela?

JR – Não chamaria loucura, mas não é fácil. Contudo, eu vivi os ciclos olímpicos de formas distintas. Nos primeiros dois era estudante universitá­rio, nos dois seguintes trabalhava como engenheiro e só aos 34 anos é que estive totalmente focado no desporto. Demorei 25 anos para concretiza­r o sonho de ser apenas velejador, de ter condições para fazer só isso. Pelo meio consegui outras valências, encontrei formas de subsistênc­ia. Visto assim, não foi loucura, até penso que fui conservado­r na abordagem. Teria sido diferente se, antes de Barcelona, deixasse de estudar, se apostasse tudo na vela. Só aos 34 anos, quando abandonei a engenharia, é que deixei de ter plano b.

É reconhecid­o na rua?

JR – Tenho de perguntar às pessoas [risos]! Sempre me senti acarinhado na Madeira. Fiz os sete ciclos olímpicos a representa­r um clube modesto (Centro

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