70 ANOS DE NACIONALISMO EM BETÃO
“Este monumento consagra a Revolução Nacional desencadeada pelo Exército na cidade de Braga em XXVIII-V-MCMXXVI triunfante sem luta, gloriosa sem sangue, porque na verdade a voz de comando foi apenas a expressão militar duma ordem irresistível da Nação” (à entrada do Estádio 28 de Maio)
çA frase acima destacada foi mote para o discurso de António de Oliveira Salazar, presidente do Conselho, aos microfones da Emissora Nacional, há precisamente 70 anos, aquando da inauguração do Estádio Municipal 28 de Maio, erigido em Braga. Festejava-se uma grande obra arquitetónica do Estado Novo, um estádio que replicava o Estádio Nacional (1944) — ambos, em estética e grandeza, ao estilo helénico e em linha com as construções do fascismo europeu. E se, em Lisboa, a data escolhida (10 de junho) reportava ao ‘Dia da Raça’, em Braga pretendia-se perpetuar a história do golpe militar que lançara as bases para o Estado Novo.
A 28 de maio de 1926, um golpe militar iniciado pelo general Gomes da Costa, precisamente a partir da cidade de Braga, colocou fim ao período conturbado que vigorou na 1ª República (1910-1926). Com 45 governos, 8 presidentes e a participação na 1ª Grande Guerra, tudo em apenas 16 anos, grande parte do país encontrava-se desesperado com a vida política, financeira, económica e social. O recorde de governação mais curta — o “Governo dos 5 minutos” — pertence a Fernandes Costa
que, empossado a 15 de agosto de 1920, se demitiu (após ameaças), numa espécie de ‘Simplex na hora’, durando apenas o tempo de chegar ao Palácio de Belém para renunciar ao cargo.
A 1ª República obedeceu à lei de Murphy e tudo o que tinha para correr mal… correu. E o pior veio a seguir: quase meio século sob o
jugo da ditadura!
Deus cria, o Homem pensa, a Obra nasce
O Estádio começou a ser equacionado logo em 1926, quando o Governo atribuíra à Câmara de Braga uma verba de 8 milhões de escudos, para a futura construção de um estádio regional que imortalizasse a origem do novo regime político. Nodia28demaiode1950,24anos depois da Revolução — e, curiosamente, também 24 anos antes da contrarrevolução dos Cravos de 1974, que mudaria o nome do Estádio para 1º de Maio, em tributo aos trabalhadores portugueses —, o
Presidente da República, Óscar Carmona, e Oliveira Salazar apresentavam-senoestádioqueperpetuava o acontecimento que ‘abrira as portas’ ao Estado Novo, em 1933. E na lateral da Porta da Maratona abria-setambémespaçoparaainscriçãodeCamões:“Ohgentefortee de altos pensamentos”! A inauguração atraiu as gentes de Braga e da região Norte que recebiam com indisfarçável satisfação o Estádio, incensados também pela elocução nacionalista e propagandística da época e do culto de Salazar, num espetáculo desportivo e patriótico.
No recinto completamente lotado, havia entusiasmo e encantamento, numa multidão em que também se destacava a presença feminina. A parada desportiva deu início à festa no Estádio. No relvado, alguns atletas formavam os anéis olímpicos, emoldurados por muitos outros atletas que, equipados e de estandarte em punho, aguardavam a ordem para desfilar.
Ao quadro idílico não faltou uma
simbólica largada de pombos que somou ao ritual cénico. Ao desfile não faltaram as coletividades desportivas do Norte e particularmente do Minho. A aprumada Mocidade Portuguesa (MP) empunhava orgulhosamente as suas bandeiras e não faltaram também elementos da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT).
Para Loureiro Amorim, cabiam vários méritos à MP e particularmente à FNAT, que tentava seduzir os trabalhadores para a prática desportiva, para, por um lado, os valorizar “em proveito da Nação e, por outro, os afastar dos antros do vício e da perdição”! Entretanto, o atleta Nuno de Morais lia a mensagem de agradecimento dos desportistas e do povo a Salazar, a quem deviam “o sacrifício duma vida inteira votada ao serviço integral da Pátria para criar o clima espiritual e os fundamentos materiais capazes de tornarem possível a construção do Estádio 28 de Maio, de Braga”. Os desportistas demonstravam-se, assim, gratos pela “arrancada heroica” iniciada em 1926 e por um Estádio que iria contribuir para o “revigoramento da Raça”.
E do “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” de Fernando Pessoa, ficara no Estádio gravada a frase do Chefe de Estado: “Deus cria, o Homem pensa, a Obra nasce”. E eis como, no fim, o hino nacional inebriou mentes e corações, e o Estado se fez Estádio!