Record (Portugal)

“Escrevi uma carta que me proíbe de jogar”

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A partir de certa altura, o dinheiro que ganhava era para alimentar o vício?

DK – Graças a Deus, tive consciênci­a de que havia alguns limites que não podia ultrapassa­r. O problema foi quando deixou de entrar dinheiro.

Fez a sua recuperaçã­o em Lisboa?

DK – Na transição de 2017 para 2018, cheguei a um ponto em que não dava mais. Pensava nisso há muito tempo, mas aí dei o primeiro passo. Pensava que deixaria naturalmen­te, mas não funciona assim. Ou há força de vontade, muita força de vontade, ou é extremamen­te difícil. Lembro-me que o primeiro dia foi horrível.

Alguém o reconheceu?

DK – Algumas pessoas reconhecer­am-me, sim. Perguntara­m-me à parte e eu disse que era o Kenedy. Mas sobretudo eram pessoas que estavam ali para me ouvir e partilhar o seu problema.

Além das reuniões, passou por algum tipo de terapia?

DK – Bem, o primeiro passo foi ir ao casino e escrever uma carta. Aí comprometi-me a nunca mais lá entrar. E até hoje...

Como era o seu dia a dia?

DK – Comecei a ir às reuniões. Tive um padrinho, que me apoiou, e comecei a ler muito. Li sobre o jogo, sobre a vida, no fundo para tentar ultrapassa­r o problema. Mas as reuniões são o mais importante. Ali, falamos com pessoas que já passaram por isso e podem aconselhar-nos.

Quanto tempo demorou o processo?

DK – Sensivelme­nte um ano. Depois aconteceu tudo naturalmen­te. Aos poucos fui conseguind­o deixar o vício, sempre com muita força de vontade.

Em que altura é que sentiu que estava curado?

DK – Quando comecei a ter paz de espírito em relação ao problema. Depois, a partir do momento em que comecei a fazer uma vida normal. Quando acordava de manhã e sentia que não tinha de resolver problemas relacionad­os com o jogo, comecei a perceber que estava no caminho certo.

Apesar de não poder ir aos casinos físicos, alguma vez tentou jogar online?

DK – Nunca. Até hoje. Nunca tive essa tentação. Quando comecei a ir às reuniões e decidi deixar o vício, nunca mais olhei para trás.

Então nunca teve qualquer recaída?

DK – Tentação tive. Mas não cedi. Consegui ser forte. Meti na cabeça que não ia e não fui. E depois não podia ir, devido à carta que tinha escrito e que me proíbe.

Durante esse ano, viveu apenas para a recuperaçã­o?

DK – Mais ou menos. Tinha três sessões por semana. Depois ficava muito por casa. Comecei a trabalhar com um amigo, a vender merchandis­ing. Na altura do Mundial (2018), estive na Praça do Comércio a ajudá-lo.

Tentou voltar ao futebol durante esse período?

DK – Não. Antes de ser treinador outra vez, tinha de resolver o meu problema. Também sentia necessidad­e de pedir desculpas a muita gente e afastei-me. Mas não nego que senti, e sinto, falta. Sei que errei, mas quero voltar para mostrar às pessoas que podem confiar em mim.

“DURANTE O PROCESSO DE RECUPERAÇíO, TIVE A TENTAÇÃO DE VOLTAR. MAS METI NA CABEÇA QUE NÃO IA AO CASINO E NÃO FUI”

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