Triunfar sobre a incerteza
ç1 – A pandemia provocada pelo novo coronavírus provocou um choque sem precedentes no tempo das nossas vidas e uma das maiores crises económicas de sempre. O futebol foi duramente atingido em várias dimensões que merecem reflexão. Faço-o, a convite de Record, sob a perspetiva do meu clube: o Futebol Clube do Porto (FCP).
2– O FCP é um clube atípico no nosso país. Longe do conforto do centralismo, tudo é mais difícil. É assim no desporto e em todas as áreas. É preciso trabalhar mais e melhor para se atingir os mesmos objetivos. E o FCP assim fez. Tinha muito para falhar, mas conseguiu derrotar todas as certezas. Afirmou-se como um clube hegemónico em Portugal e com múltiplas conquistas internacionais sem nunca negar, antes explorar, o caldo identitário da Região que o viu nascer. O FCP é a expressão mundial dessa Região e isso em nada o diminui como clube de vo- cação nacional, reconhecido internacionalmente. Pelo contrário: qualquer tentativa de o afastar dos valores que o esculpiram, tornando-o um produto indistin- to de futebol-negócio, é condená- -lo ao fracasso. O futebol moderno não pode ser a expressão anódina de uma paixão. Como diz a ‘Marcha’, nós “somos Portistas / e sempre bairristas”. A emoção sen- te-se em qualquer lado, de norte a sul, em Portugal e fora dele, mas o FCP, tal como outros clubes com percursos semelhantes noutras ligas, não é alheio à identidade da Região onde se forjou, historicamente prejudicada pela ditadura, primeiro, e pelas assimetrias do centralismo, depois. Isso não pode ser escolhido nem apagado. Resulta das condições concretas em que o FCP se transformou no clube que é hoje, dando-lhe a cultura de superação, luta e combati- vidade – a mística – que a tantos seduz.
3– Esse percurso é indissociável de Jorge Nuno Pinto da Costa e
LIDERANÇA.
de uma história que muda consideravelmente após o 25 de Abril de 1974. Pinto da Costa foi eleito presidente do FCP em 1982, mas as sementes de uma revolução no clube foram lançadas quando se tornou diretor do departamento de futebol em 1976. Com Pedroto, pavimentou um projeto desportivo e doutrinário que construiu a ambição ganhadora do clube a partir da adversidade. Há uma frase lapidar de Pedroto: “Quando o autocarro do FCP atravessa a Ponte Arrábida, já vai a perder por 1-0.” Assim era, mas deixou de ser. O FCP empunhou a bandeira da luta contra as injustiças históricas que, herdadas da ditadura, contaminaram o futebol. Disso foi símbolo Calabote, mas também a outorga da presidência da FPF a um clube de Lisboa antes de 1974. Tudo estava feito para que um clube como o Porto fosse uma nota de rodapé. Não é possí- vel perceber o presente sem uma noção clara deste passado nunca distante.
4– Ao longo dos últimos 46 anos, e em especial durante os 38 anos de mandatos de Pinto da Costa, nenhum clube foi tão bem-sucedido como o FCP. Foram dezenas de títulos em Portugal e internacionalmente. O clube encontrou fórmulas vencedoras em cada uma das últimas quatro décadas, acompanhando a transformação do futebol. A sua hegemonia alar- gou-se às modalidades. A revolução estendeu-se às infraestruturas. E foi conquistando adeptos em todo o país e fora dele, sem nunca deixar de ser um clube que empunha os valores da Invicta. Nos anos mais recentes, a disputa com o principal rival, ainda que longe de reposicionar os ganhos do FCP durante anos, tornou-se mais equilibrada. Mas não ignoramos que há muitos processos judiciais cujo desfecho aguardamos, perspetivando, do que já se sabe, uma poderosa estratégia de dominação por parte desse rival dentro e fora do campo.
5– A pandemia apanha o futebol português em progressiva perda de competitividade. Com raras exceções, temos estádios pratica- mente vazios, pouca dimensão internacional (o FCP surge desta- cado desde a criação da atual Champions em 1992, mas o futebol português tem vindo a perder lugares para outras ligas), jogos a horas proibitivas, ausência de uma política de valorização de ativos de transmissão a nível internacional (nomeadamente na CPLP), falta de oportunidades para jovens jogadores, entre outros bloqueios.
6– E então, qual o caminho a seguir? Não há uma única via. Os clubes dependem da competitividade uns dos outros e por isso há entendimentos que devem ser feitos de forma transparente entre os agentes do futebol. No que diz respeito ao FCP, entendo que tem de prosseguir com uma sólida estratégia de formação, substituindo paulatinamente o tempo em que a valorosa rede de olheiros do clube encontrava diamantes em bruto na América Latina. O modelo de comprar ba- rato e vender caro está gasto: há cada vez mais clubes europeus a trabalhar aí, com um músculo fi- nanceiro incomparável, pelo que temos de acarinhar a nossa ‘cantera’ com infraestruturação ade- quada a uma academia. O FCP deverá também privilegiar a sua vasta malha de adeptos em Portugal e nas diásporas, mapeando novas casas e transformando-as em embaixadas do clube. O mesmo deve ser feito na potenciação da rede Dragon Force. Explorando novas possibilidades tecnológicas, o FCP deve fortalecer a liderança que já detém, destacado, entre os clubes com mais seguidores e interações nas redes sociais. Isto é um valiosíssimo ativo que deve ser monetarizado e integrado com novas possibilidades tecnológicas – na app, no streaming, no Porto Canal, nas experiências e conteúdos do FCP – para os sócios, acesso aos jogos, bilhetes, merchandising e partilha colaborativa entre adeptos.
LONGE DO CONFORTO DO TUDO É MAIS DIFÍCIL. TAMBÉM É ASSIM NO DESPORTO
PARA O FC PORTO DAR CONTINUIDADE AO SEU PERCURSO DE SUCESSO, TERÁ DE AFIRMAR A SUA IDENTIDADE , DAR OPORTUNIDADE AOS JOVENS, VALORIZAR ATIVOS, MONETARIZAR A MARCA, UNIR-SE COM AS FORÇAS VIVAS DA REGIÃO E COMBATER AS TENTATIVAS DE CONTROLO DO FUTEBOL
7– Isto tem de ser feito sem esquecer que o objetivo do clube é vencer, ou seja, ser desportivamente competitivo para ser financeiramente competente. Qualquer estratégia parcelar neste campo está condenada ao fracasso. E nenhuma será vitoriosa se o FCP abdicar de ser uma potência cívica e social do Norte. Num período de contração, acrescido das dificuldades de quem está longe dos centros de poder, as forças vivas da Região devem unir-se no apoio ao clube. É importante encontrar parcerias virtuosas com as maiores empresas da Região, um dos braços industriais do país com uma economia dinâmica em muitas áreas, patrocinando o FCP como um dos maiores símbolos da vasta geografia onde se insere.
8– É na síntese de tudo isto que o FCP manterá o rumo do sucesso. Os tempos não são mais difíceis do que outros que já superámos. Com liderança, em primeiro lugar. Com consciência do seu papel social. Respeito pela história e pelos valores. Afirmação inequívoca da identidade. Combate a todas as tentativas de controlo do sistema de futebol. Oportunidade aos jovens da formação. Valorização de ativos, a começar pela força dos adeptos em Portugal e em todo o Mundo. Reforço contínuo das infraestruturas. Monetarização da marca. Trabalho em rede a partir da cidade e da Região. Prosseguindo este caminho, estou certo de que o FCP inicia uma nova década em que dará continuidade a algumas das mais gloriosas páginas do desporto em Portugal.
CLUBE ENCONTROU FÓRMULAS DURANTE OS MANDATOS DE PINTO DA COSTA