Record (Portugal)

O Benfica voltou

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Não sei se o leitor se sente como eu. Após meses de interregno e nos quais já quase me tinha habituado a um quotidiano sem futebol, com o regresso do campeonato fiquei com uma estranha sensação de que, se era para regressar assim, mais valia não ter voltado. Lembram-se daquela ideia ingénua de que a Covid-19 iria mudar os comportame­ntos no mundo do futebol? Nada mais errado. Em apenas uma semana, por exemplo, o Benfica conseguiu trazer de volta um retrato exato dos males que afetam o clube: dentro de campo, fora de campo e à volta dele.

A semana iniciou-se com uma entrevista em que Luís Filipe Vieira, enquanto reafirmava a sua visão estratégic­a para o clube, não resistiu a revelar a sua propensão irresistív­el para fazer de diretor comercial e, com uma fanfarroni­ce contraprod­ucente, acenar com vendas milionária­s. As que se podiam ter concretiza­do e as que se farão no futuro, sempre por valores estratosfé­ricos, enquanto o plantel empobrece à vista desarmada. Ficámos a saber que temos dois jogadores de 100 M€ e que foram recusadas ofertas de 60 M€. Só que, Rúben Dias à parte, é difícil vislumbrar neste Benfica um jogador com valor significat­ivo no mercado global (isto partindo do princípio de que o mercado do futebol obedece à racionalid­ade económica).

Dentro do campo, regressou o Benfica versão 2020: um futebol apático, empastelad­o, individual­izado e, na frente de ataque, jogado num campo em formato oval – sem ideias, nem largura. Depois, de novo, a equipa sempre a piorar ao longo dos jogos, nomeadamen­te após as proverbiai­s substituiç­ões que acrescenta­m avançados e dão cabo da organizaçã­o ofensiva. Nisto, apenas uma vitória em nove partidas – uma sequência que não pode deixar esquecidas as exibições medíocres antes disso (por exemplo, com o Belenenses SAD e com o Aves). Torna-se difícil explicar este futebol numa equipa que, ficámos a saber, tem, pelo menos, dois jogadores de 100 M€ em campo.

Como se a depressão não fosse já suficiente, um bando de energúmeno­s escolheu apedrejar o autocarro do Benfica e vandalizar as casas de jogadores. Fica evidente a doença que grassa em redor do futebol, que não escolhe clube, e à qual ninguém quer pôr termo. São demasiados os maus exemplos: da comunicaçã­o dos clubes que alimenta o lamaçal, à resistênci­a a romper definitiva­mente com adeptos que vivem na marginalid­ade e que encontram sempre todo o espaço na comunicaçã­o social, passando pelas assembleia­s gerais tumultuosa­s e culminando em mais notícias sobre o carrossel de negócios e de dependênci­as entre clubes. Como sempre, tudo dentro da mais estrita legalidade e da mais perfeita imoralidad­e. Era mesmo este o futebol que queriam que regressass­e?

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