Record (Portugal)

O regresso que ninguém queria

- JOSÉ MANUEL FREITAS André Veríssimo Diretor do Negócios RUI DIAS

Num dia, o ‘L’Équipe’ faz capa com o recomeço do campeonato português. A manchete exclama “Portugoaaa­l!” e na imagem dois jogadores do Portimonen­se celebram a vitória. No dia seguinte são as imagens dos vidros partidos do autocarro da equipa do Benfica e os ferimentos, ligeiros, dos jogadores que correm Mundo. Era difícil imaginar tamanha falsa partida!

O vandalismo intimidant­e nas casas dos jogadores e de Bruno Lage é igualmente grave. Quem é esta gente que se dedica a encontrar o endereço dos atletas e equipa técnica? Seguem-nos?

E acham que o medo e inseguranç­a que os jogadores e famílias agora sentem vai melhorar o rendimento em campo? Claro que não.

Depois de Alcochete, gritou-se: “Basta!” Afinal, mesmo que menos graves, os episódios sucedem-se. A prova existente e o enquadrame­nto legal talvez não desse para mais, mas a sen- tença do caso acabou por não passar para a sociedade a mensagem que os acontecime­ntos na Academia justificav­am.

O recomeço do campeonato

em vez de simbolizar o regresso da sociedade à normalidad­e possível após a fase aguda do surto da Covid-19, trouxe de novo a parte indesejáve­l da normalidad­e no futebol portu- guês. A crença na capacidade transforma­dora da pandemia é manifestam­ente exagerada. “Não acho que venha aí um Mundo novo, mas as pessoas mudaram”, dizia o escritor Gon- çalo M. Tavares numa entrevis- ta publicada a semana passada no ‘Negócios’. Já os “sistemas coletivos” têm uma grande capacidade em regressar ao que eram. É o caso do futebol.

O fim de semana trouxe novas evidências desse ‘sistema’, com a notícia do ‘Público’ sobre os contratos de jogadores entre Benfica e Desportivo das Aves, cheios de cláusulas leoni- nas e de legalidade duvidosa que nos põe a pensar sobre que vantagens compram estas relações opacas. Os contratos em causa foram obtidos na operação ‘Mala Ciao’, iniciada em 2018, em que são investigad­as suspeitas de empréstimo­s encapotado­s de atletas e vicia- ção de resultados, que envolvem ainda o V. Setúbal e o P. Ferreira.

Os contratos revelados, e o Benfica não será o único a tê-los, são abusivos em relação aos direitos dos atletas, como a cláusula antirrivai­s, que é prática corrente noutros países. O artigo 124.º do regulament­o geral da Liga de Clubes diz expressame­nte que “são nulas as cláusulas inseridas em contrato de formação ou contrato de trabalho desportivo visando condiciona­r ou limitar a liberdade de trabalho do jogador após o termo do vínculo contratual”.

O ‘Público’ noticia ainda a existência de uma conta-corrente oficiosa entre o clube da Luz e o atual lanterna-vermelha do campeonato, que o Benfica considera normal e em tudo semelhante às contas-correntes que tem com fornecedor­es. Não é normal haver uma conta-corrente entre dois adversário­s numa prova desportiva, porque isso é suscetível de criar uma relação de dependênci­a e domínio.

Quantas contas-correntes entre clubes haverá no futebol português? A Federação sabe? A Liga sabe? A regulação não assegura a transparên­cia e probidade na relação entre os clubes e a fiscalizaç­ão das regras que existem parece ser pouca ou nenhuma. Enquanto assim for, a verdade desportiva poderá sempre ser posta em causa.

A REGULAÇÃO NÃO ASSEGURA PROBIDADE E TRANSPARÊN­CIA NA RELAÇÃO ENTRE CLUBES

QUANTAS CONTAS-CORRENTES ENTRE CLUBES HAVERÁ NO FUTEBOL PORTUGUÊS? A FEDERAÇÃO SABE? A LIGA SABE?

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