Um vago cheiro a naftalina
NÃO DESMEREÇO A IMPORTÂNCIA DA CONQUISTA DA CHAMPIONS PARA PORTUGAL E PARA A CIDADE DE LISBOA, MAS A CERIMÓNIA IMPROVISADA EM BELÉM PARECIA UM AJUNTAMENTO TERCEIRO-MUNDISTA
O futebol português e a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) estão de parabéns. Afinal, o futebol, com todas as suas misérias, ainda é uma das indústrias mais fortes do País. Move muito dinheiro, limpo e sujo, produz talento a uma grande velocidade, como prova a entrada de nove jovens futebolistas no ranking dos próximos ‘golden boys’ a nível mundial, tem um prestígio internacional suficiente para atrair a fase final da Liga dos Campeões.
Num tempo tão difícil, em que o futuro está muito longe de ser luminoso, como assumiu há semanas Fernando Gomes, presidente da dita FPF, nestas páginas, o desporto-rei lusitano ganhou no palco mais apetecido pelos muitos poderes do futebol, que é o da UEFA. E ganhou de tal modo que o poder político não desperdiçou a oportunidade para celebrar.
Compreende-se o regozijo de Presidente da República, Parlamento, Governo, presidente da câmara de Lisboa e dos clubes. Afinal, o futebol vai ser um motor decisivo para voltar a chamar o turismo, a outra indústria de que dependemos como de pão para a boca. Neste momento, só a vitória sobre o vírus superaria em patriotismo a conquista de um evento da magnitude da Champions para Lisboa.
Mas a cerimónia improvisada quarta-feira à tarde no Palácio de Belém parecia um ajuntamento terceiro-mundista de políticos em campanha. Estão todos em campanha à boleia da Champions e do futebol. Marcelo Rebelo de Sousa está, evidentemente, em campanha eleitoral. António Costa e o seu governo, que tinha ali não um, não dois, mas três ministros, ca- valgam a onda da popularidade que a pandemia lhes tem dado. Ferro Rodrigues deve ter achado que seria importante marcar presença porque sim. Desde logo para evitar uma apropriação do evento pela extrema-direita, esse derradeiro combate da sua vida política... Fernando Medina está em dupla campanha pela reconquista de Lisboa e por encostar às cordas Pedro Nuno Santos, o seu rival na cor- rida à sucessão de Costa.
Até lá estava um secretário de Estado do Desporto, que já não devia estar no Governo mas que se encontra em campanha pela sua própria sobrevivência. Não desmereço, repito, a importância da conquista da Champions, nem vou cometer a indelicadeza de comparar a cerimónia com a da célebre brigada do reumático dos generais que queriam segurar Marcelo Caetano nas vésperas do 25 de abril, mas que tudo aquilo tinha um vago cheiro de naftalina, lá isso… Falta agora que se batam para que o evento tenha público. Afinal, lá para agosto o Santo António já deve ter acabado com a Covid em Lisboa…