Será mesmo Lage o centro do debate?
SE O BENFICA NÃO PODE ACABAR COM VIEIRA, NO SENTIDO DE IGNORAR O QUE FEZ DE BOM, TAMBÉM VIEIRA NÃO PODE ACABAR COM O BENFICA, POR SE ACHAR ‘INEXPUGNÁVEL’
çEsta foi directamente a semana de Bruno Lage, pelos piores motivos. Mas foi também indirectamente a semana de Luís Filipe Vieira, que está cada vez mais desgastado na sua presidência.
Já se percebeu que Bruno Lage está esgotado.
Já toda a gente percebeu que Bruno Lage
nunca foi uma primeira escolha, plenamente assumida, de Luís Filipe Vieira, que queria ver concretizado o ‘sonho impossível’ de ver José Mourinho no Benfica, 20 anos depois de ter estado no lugar errado no momento errado, após perceber, no pós-Rui Vitória, que os timings de Jorge Jesus não coincidiam com os da sua presidência.
Bruno Lage era, então, quem estava mais à mão,
foi o treinador do contexto, e o facto de ter feito uma abordagem extremamente positiva, com resultados indesmentíveis (campeão), fez com que Luís Filipe Vieira se colasse ao sucesso da intervenção do treinador abruptamente promovido e lhe desse um contrato até 2024, com importante e natural aumento na folha de remunerações.
O presidente do Benfica
completou esta semana 71 anos, é um homem muito vivido e experiente, mas pelos vistos, considerando o que é do conhecimento público, não salvaguardou o interesse do clube da Luz, num cenário em que fosse necessário prescindir dos serviços do treinador.
Contrato até 2024? A factura será grande.
Luís Filipe Vieira está cada vez mais na berlinda
porque alimen- tou como ninguém o cenário de um regresso de Jorge Jesus – no já largo período pós-Rui Vitória – e por isso é legítimo admitir-se que a infeliz tirada de Bruno Lage sobre os jornalistas que se vendem (com almoços, jantares e via- gens) se inscreva na saturação de Lage em não se ver protegido pelo presidente num período em que, quase todos os dias, o tema de actualidade era o regresso de Jorge Jesus ao Benfica.
Bruno Lage não aguentou a pressão
e achou que, sem concretizar, poderia colocar toda uma classe profissional sob suspeita, talvez com o fito de atingir o seu putativo sucessor (JJ), fantasma de muitas núpcias, e o seu espécie de padrinho-patrocinador (LFV), o mesmo que o havia chutado para fora da Luz, com acusações feias e desprimorosas, como se pode apurar através da leitura e da interpretação do respectivo processo judicial.
Bruno Lage, depois de ter sido elogiado pela postura que evidenciou, no plano das acções e das palavras, quando chegou à primeira equipa do Benfica, caiu na tentação de justificar o seu in- sucesso através de um ataque aos críticos, metendo ainda por cima todos no mesmo saco. Na senda do seu raciocínio, gostaria que um seu colega de profissão lhe perguntasse quantos almoços, jantares e viagens terá pago para receber esses elogios?!
Bruno Lage terá de perceber que, mesmo na lógica de insuces- so, a este nível, o futebol proporciona encaixes de milhões, por força de devaneios contratuais que um dia destes vão ter de acabar, e muitos profissionais da co- municação social têm de continuar a lutar, dia após dias, longe da miragem dos milhões, para as- segurar uma remuneração digna e, em muitos casos, face à precariedade, nem isso…
Bruno Lage ainda não conseguiu concretizar o que disse e, na verdade, ao não fazê-lo, continua a aguardar-se por um pedido de desculpas, depois das posi- ções tomadas em boa hora quer pelo Sindicato dos Jornalistas, quer pelo CNID, que neste caso fizeram o que tinham a fazer, embora – em situações análogas, a acontecer no futuro – os profissionais da comunicação social tenham de dar o passo se- guinte, que é abandonar as instalações onde vão trabalhar, quando são submetidos a pressões, chantagens e vexames, como aquele a que Bruno Lage – depois de muitos outros episódios, em casa de outros clubes, é bom não esquecê-lo – sujeitou toda uma classe profissional.
O Benfica tinha aqui uma boa oportunidade para exercer o tal ‘sentido de Estado’, mas – tiremos o cavalinho da chuva – isto está cada vez mais difícil em termos da assumpção de certos princípios de urbanidade e relação institucional, à margem das questiúnculas e das guerrilhas do costume.
O presidente do Benfica envere- dou pelo diálogo com o plantel, mas também tem de acertar os termos e o timing das suas abordagens, porque talvez não faça muito sentido pedir explicações aos jogadores depois de terem sido apedrejados por vândalos, após o empate frente ao Tondela, o que desencadeou a aceleração da Operação Sem Rosto, da PSP, que já conheceu resultados mui- to meritórios e valoriza o trabalho policial. Muito bem!
Portanto, sim, Bruno Lage está esgotado, mas Luís Filipe Vieira começa a ver diminuído o seu espaço de manobra, mergulhado em casos mal explicados e em decisões ou parcerias muito discutíveis.
Já várias vezes falei da falta de ‘sentido de Estado’ de Luís Filipe Vieira como presidente de uma instituição com o peso, a força, a representatividade e o prestígio do SL Benfica, com reflexos na imagem pública do clube, mas sobre isso também estamos conversados, a avaliar pelo comportamento daqueles que literal e formalmente o deviam ter, em nome do interesse superior do País, e ficam-se ou pelo Campo Pequeno ou pelos mergulhos em Cascais ou na Ericeira…
Esta pandemia é uma desgraça, que veio colocar muitos sectores de actividade debaixo de um grande stress, para além das preocupações geradas pelo aumento de número de infectados, face ao que foi a dinâmica do desconfinamento induzido, mas é bom não nos afastarmos da ideia daquilo que era o futebol português antes da Covid-19, das lógicas que lhe estavam subjacentes e da posição hegemónica que o Benfica se preparava para tentar consolidar, na sequência do empobrecimento financeiro (e desportivo) que atingiu o FC Porto.
Se o Benfica perder este campeonato – talvez o mais pobre de sempre – perderá a aura de ‘clube dominante’, porque se isso acontecer o FC Porto poderá vangloriar-se, nesse cenário, de ter conquistado dois títulos nos últimos três campeonatos, o que, conhecendo-se a situação de grande debilidade do emblema portista, é uma humilhação para o próprio Benfica e para Luís Filipe Vieira.
Acresce que Vieira não teve a sensibilidade e o tal ‘sentido de Estado’ de – sem se recusar naturalmente a disputar o que faltava da ‘Liga Vírus’ – marcar uma posição, dizendo qualquer coisa como isto: “Vamos a jogo, se esse for o sentido geral, mas disputar este campeonato no actual contexto pode ser um erro”…
Parece-me claro, portanto, que centrar a questão em Lage é pouco, porque se o Benfica não pode acabar com Vieira, no sentido de ignorar o que fez de bom, também Vieira não pode acabar com o Benfica – e isso só se assegura com regeneração ou com menos bazófia.