“O Sporting fez muito por mim”
AURIOL DONGMO A GRANDE FIGURA DO LANÇAMENTO DO PESO
A lançadora nasceu nos Camarões há 29 anos e em outubro naturalizou-se. Atravessa o melhor momento da carreira, após novo recorde nacional e agora sonha com a medalha olímpica Acaba de bater o recorde nacional do lançamento do peso em plena pandemia. Como se apresenta em tão boa forma?
AURIOL DONGMO – Trabalho arduamente todos os dias para melhorar e atingir novas marcas. Desde que a pandemia mudou as nossas vidas, nunca deixei de trabalhar. Todos os dias cumpri os programas definidos pelo meu treinador [Paulo Reis] e o tempo passou rápido. Na verdade, fiquei em casa, mas como não gosto muito de passear, não me fez grande diferença…
Mas está imparável, pois o recorde é também a melhor marca mundial do ano…
AD – O trabalho que desenvolvo no clube é muito intenso. É verdade que estou num bom momento de forma, mas o desporto tem destas coisas. As marcas que fiz no inverno ficaram aquém do que esperava, mas continuámos a trabalhar com o mesmo foco e o recorde saiu agora. Por isso, vamos continuar a trabalhar para ainda conseguirmos outras marcas importantes.
Lançou 19,27 metros. Até onde espera ainda chegar neste ano tão atípico?
AD – Estamos a trabalhar para atingir uma determinada marca, mas não posso dizer qual (risos).
Vive e treina em Leiria. O que a levou a escolher esta cidade?
AD – A opção de Leiria foi natural e tem a ver com o meu treinador, com o qual tinha contacto e cujo trabalho está à vista. O Sporting queria que ficasse em Lisboa, mas escolhi treinar aqui com o Paulo Reis. Ele é um grande treinador. Para mim, é o melhor treinador de sempre. Tem-me ajudado imenso a evoluir enquanto lançadora.
AD – Quando cheguei não tinha a naturalização como uma prioridade, nem a Seleção Nacional. Pensava apenas em melhorar a minha carreira e ser mais competente. Mas depois, conversando com o meu treinador sobre o assunto, ponderei e percebi que seria uma boa oportunidade para mim representar Portugal. Poderia dar um bom impulso à minha carreira. Além disso, este é o meu país do coração.
Mas nasceu nos Camarões e está cá há pouco mais de três anos…
AD – Pode parecer incrível, mas desde pequena que ouvia falar de Fátima e sonhava visitar o Santuário. E foi mesma das primeiras coisas que fiz quando cheguei a Portugal: mal saí do aeroporto de Lisboa, o meu treinador levou-me diretamente a Fátima. Foi emocionante. Nunca mais vou esquecer.
Como surgiu a possibilidade de vir para o Sporting?
AD – Em 2015 decidi sair dos Camarões, porque não existem boas condições de treino e sabia que tinha potencial. Estive em Marrocos
ano e meio, mas não gostei muito do país. Depois tive um convite para ir para França, mas o Sporting apresentou-me uma proposta, e como tinha uma ligação sentimental ao país, nem hesitei.
Tudo apontava para que se estreasse por Portugal, em agosto, nos Europeus em Paris…
AD – Sim, foi uma desilusão. Tinha
a ilusão de representar a Seleção nessa competição, mas a prova foi adiada. Agora é preparar o Europeu de pista coberta no próximo ano e tentar fazer o melhor possível. Os Jogos Olímpicos também eram outro dos objetivos, mas a saúde está primeiro e confesso que o adiamento não me afetou. Aliás, dá-nos muito mais tempo de preparação. A minha preparação está toda a ser feita a pensar em 2021. Ainda podemos fazer a Diamond League este ano, mas o mais importante será o próximo ano.
“QUANDO CHEGUEI A PORTUGAL NÃO TINHA A NATURALIZAÇÃO COMO UMA PRIORIDADE, NEM A SELEÇÃO NACIONAL”
Mas sonha com uma medalha olímpica para Portugal?
AD – Vamos começar por pensar nos Europeus, depois no Mundial e só depois tratar de pensar nos Jogos Olímpicos. O meu sonho é defender esta bandeira com o coração e dar tudo o que possa para levantar a bandeira de Portugal o mais alto possível.
“EM ÁFRICA, SOMOS RELIGIOSOS. ACREDITAMOS QUE SEM DEUS NÃO HÁ VIDA. A FÉ É A COISA MAIS IMPORTANTE DA MINHA VIDA”
Falou de Fátima. É muito religiosa. Como surgiu a igreja na sua vida?
AD – Em África somos muito religiosos. Acreditamos que sem
Deus não há vida. A fé é a coisa mais importante da minha vida. Estudei desde pequenina numa escola católica, aprendi a ir à missa e a adorar Jesus. A minha família também me acompanhou e Fátima sempre me cativou. Foi a proximidade com o Santuário que me levou a optar por Leiria. Sinto algo de especial neste país.
Vai a Fátima a pé se ganhar uma medalha olímpica no próximo ano?
AD – Vou com frequência a Fátima, mas não faço promessas para que seja retribuída com vitórias. As vitórias dependem do nosso trabalho e daquilo que Deus nos reserva. Além disso, a religião vai muito além da vida terrena.