O fim de um ciclo
Os resultados do Benfica dos últimos meses e, acima de tudo, o cenário de anarquia que se vê em campo são reflexo de um mal maior que afeta o clube hoje. É óbvio que, com soberba, a época foi, uma vez mais, mal planeada; que em janeiro não se corrigiram fragilidades óbvias no plantel e que as contratações obedeceram, de novo, mais às necessidades do mercado e dos agentes do que aos interesses do Benfica. Tal como não restam dúvidas de que Bruno Lage perdeu o norte e, entre o modo aleatório como passou a escolher o onze principal e as substituições sem nexo, passou mesmo a ser um problema adicional. Mas uma série de resultados como esta é sintoma de fim de um ciclo e não apenas do ponto de vista desportivo. O que se passa em campo reflete outros problemas. Um projeto esgotado e que, precisamente por isso, perante dificuldades, se deixou enredar numa gigantesca encruzilhada. Uma ambição europeia que é proclamada mas choca com os resultados; uma saúde financeira que não encontra correspondência na qualidade do plantel e a sempiterna novela Jesus, ela própria indício de falta de ideias.
Os benfiquistas não têm dúvidas do contributo dado por Luís Filipe Vieira ao longo de quase 20 anos para que o Benfica fosse hoje uma organização profissional, com robustez financeira e condições desportivas únicas. O Benfica de hoje tem pouco a ver com o clube que esteve entregue – convém nunca esquecer, porque os sócios assim o permitiram – a uma sucessão de intrujões, que lhe poderiam ter posto fim. Mas hoje, os benfiquistas têm a maturidade necessária para perceber que a solução não estará nunca em alternativas populistas. Do mesmo modo que o futuro não poderá passar apenas pela repetição de respostas que funcionaram, mas estão gastas. Há momentos em que as organizações precisam mesmo de oxigenação, encontrar ideias novas e renovar os protagonistas. Por isso mesmo, o bom princípio da limitação de mandatos
DEPOIS DE VIEIRA NÃO VIRÁ O DILÚVIO. NÃO VALE A PENA ACENAR COM O APOCALIPSE
está disseminado nas nossas sociedades. Tudo tem um tempo, também num clube desportivo.
Não vale a pena acenar com o apocalipse, promover exercícios de vitimização ou repetir velhas jogadas palacianas, como antecipações de eleições – ainda para mais tendo em conta que vivemos, com a Covid, um cenário excecional. Depois de Luís Filipe Vieira não virá o dilúvio e não faltarão benfiquistas credíveis e competentes para respeitar o caminho trilhado nas últimas décadas, virar a página e garantir o futuro do clube. Aliás, um dos motivos pelos quais Vieira é, nas suas próprias palavras, “o único culpado” é, precisamente, por o Benfica ter sido um clube liderado por um homem isolado. Também isso é preciso alterar.