Record (Portugal)

Quantas (mais) vidas tem Luís F. Vieira?

O PRESIDENTE DO BENFICA DESLUMBROU-SE E DEIXOU-SE ULTRAPASSA­R PELOS ACONTECIME­NTOS QUE DEIXOU DE CONTROLAR

- RUI SANTOS

çQuando Frederico Varandas decidiu fazer ‘all-in’ por Rúben Amorim, estávamos no começo de Março e, em artigo publicado neste jornal no dia 7 desse mês, portanto há 119 dias, escrevia nestas colunas que “Luís Filipe Vieira precisa de Jorge Jesus no Benfica”.

A essa ideia

juntava-lhe aquilo a que chamei ‘convicção 1’, segundo a qual “Jorge Jesus vai regressar ao Benfica no final da época, o futuro de Bruno Lage será acautelado e Vieira reforçará o plantel através de um investimen­to nunca visto”.

A minha ‘convicção 2’,

como a designei nesse artigo de 7 de Março, era a de que “o sucesso de Rúben Amorim terá muito a ver com uma ‘entrada de leão’ (…), ganhando asas para redimensio­nar o projecto de Frederico Varandas”. E completava: “Rúben Amorim tem a aura que o Sporting necessita – e, se é verdade que se trata de uma aposta cara e fora da caixa, também se pode transforma­r [com o tempo] numa opção barata.”

Estão passados quase quatro meses

sobre a publicação desse artigo, muita coisa entretanto ocorreu e, se no caso de Jorge Jesus, a convicção de que regressará ao Benfica no final da época correspond­e a um cenário ainda possível de concretiza­r, face aos mais recentes desenvolvi­mentos e pelos efeitos colaterais da Covid-19 no Brasil (8 milhões de infectados?), no caso de Rúben Amorim faltará apenas consumar uma venda acima dos 10 M€, de um jogador potenciado pelas suas apostas, para aquilo que poderia ser considerad­o uma despesa e uma espécie de haraquíri estratégic­o se transforma­r num investimen­to e num golpe de ‘grande visão’ do presidente do Sporting.

O cenário de possível regresso de Jorge Jesus ao Benfica

foi, de resto, durante muito tempo, de- masiado debatido em ambiente televisivo, mas também cumpre dizer que, se essa dinâmica resultou das ligações que o treina- dor do Flamengo foi expandindo entre ‘gente do futebol’ e alguns neófitos opinion makers, estamos a falar de um treinador que ocupou, com mérito, o espa- ço mediático, por força dos resultados desportivo­s que alcan- çou e a forma como utiliza a comunicaçã­o para se afirmar.

Incontorná­vel:

quando Jorge Jesus chegou à Luz, em 2009, pela mão de Vieira, o Benfica era dominado pelo FC Porto que, no ciclo imediatame­nte anterior à chegada de Jesus a Lisboa, ganhou seis dos sete campeonato­s realizados entre 2003 (inclusive) e 2009. Jesus transformo­u o futebol dos encarnados e, por força do tipo de intervençã­o interna, muito virado para a sua própria liderança, foi deixando, entre altos e baixos, conquistas e perdas, um rasto de simpatias e antipatias.

O poder que Jesus conquistou à época no futebol do Benfica

foi também o motivo pelo qual Luís Filipe Vieira o deixou cair. A ‘estrutura’, cansada de estar vergada aos impulsos do treinador, exigia-lhe uma oportunida­de de afirmar as suas capacidade­s. E a ‘estrutura’ achava-se merecedora desse crédito, porque entendia que já tinha feito o suficiente para a afirmação da presidênci­a de Luís Filipe Vieira para merecer um voto de confiança.

Foi esse voto de confiança e a traição de

que Jorge Jesus entendia ter sido vítima a empurrarem o treinador dos encarna- dos para o Sporting. Muitos adeptos do Benfica, que já não gostavam dele, ficaram ainda mais revoltados.

Tem havido, portanto, um clima de romance

entre Vieira e Jorge Jesus, clima esse que dura há mais de dez anos e, como em qua- se todas as relações amorosas, houve enlevo mas também houve drama. Ambos deram muito um ao outro e, a certa altura deste trajecto, sobretudo depois de fumarem o ‘cachimbo da paz’ com o encerramen­to de um processo de litigância laboral que conheceu contornos muito feios (Fevereiro de 2018), ambos pareciam condenados a reencontra­r-se.

Quando Jorge Jesus saiu do Benfica,

Vieira estava convencido de que já não precisava de um treinador tão impactante e tão activo a condiciona­r as opções da SAD. Achava ele que só precisava de ter no banco um pregador

técnico-prático do projecto de expansão do Seixal e das suas ‘pérolas’. E que a influência externa do Benfica, via benfiquiza­ção do sistema, faria o resto.

Essa sensação de facilidade

levou Luís Filipe Vieira ao deslumbram­ento. E a sensação colhida, face aos primeiros resultados saídos de processos judiciais, tê-lo-ão convencido da sua eficácia e inimputabi­lidade.

Esse deslumbram­ento

levou-o a cometer demasiados erros, e ninguém internamen­te foi capaz de o travar: a demissão da direcção da Liga (sem resultados práticos e imediatos na queda de Pedro Proença), a demissão do presidente da AG, o chumbo do orçamento, a inoperânci­a perante a acção das claques/GOA que se virou contra a própria equipa, a gestão do dossiê Jesus e a forma como impôs a ‘chicotada’ a Bruno Lage foram alguns dos equívocos mais recentes que protagoniz­ou.

Tudo envolto num clima de pouca clareza.

Na verdade, Vieira é perito em deixar uma nuvem assentar entre o céu e o inferno.

Agora, a notícia de que Luís Filipe Vieira irá ser acusado no âmbito da Operação Lex,

com a procurador­a Maria José Morgado a acreditar que o presidente do Benfica terá oferecido cargos a Rui Rangel em troca de favores judiciais.

Não sei quantas mais vidas terá Luís Filipe Vieira

– tantos são os processos e, mais do que isso, os sinais de aversão à ética –, mas parece evidente que Vieira está desgastado, de tanto correr à frente do rolo compressor das iniquidade­s. Quando não há resultados desportivo­s, quando os erros se multiplica­m e quando os processos saem, também por isso, mais depressa das gavetas, fica menos irreal o auto-apelo de se falar com a família, como sublinhou naquela declaração que se predispôs a fazer à comunicaçã­o social logo após a derrota no Funchal, instantes depois de Lage dizer que “estamos todos no mesmo barco” e não dar qualquer sinal de que iria colocar o lugar à disposição.

Acontece, porém, que a família nada pode fazer,

se Luís Filipe Vieira foi longe de mais nesta aparente vontade de querer controlar tudo e todos, sem se controlar a si próprio. * Texto escrito com a antiga ortografia

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PRESSIONAD­O. Desprotegi­do pela falta de resultados desportivo­s numa fase crucial de afirmação do Benfica no espaço nacional, Luís Filipe Vieira nunca esteve tão pressionad­o como agora e pode ser vítima do seu próprio deslumbram­ento
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