Record (Portugal)

Jesus, o salvador do projeto

- Pedro Adão e Silva Professor Universitá­rio

Poucas coisas dão conta com tamanha exatidão do esgotament­o de uma liderança como o recurso a soluções que funcionara­m no passado para responder a desafios presentes. O momento do Benfica é preocupant­e por isso mesmo. A estrutura que estava dez anos à frente dos adversário­s e que tinha um projeto estratégic­o que requeria um treinador com determinad­o perfil prepara-se, afinal, para resgatar o treinador que não servia para o projeto e que, agora, é quem pode salvar o projeto. Confuso, não é? Mas quando reina a desorienta­ção, nada surpreende. Jorge Jesus, que foi vilipendia­do, acusado de tudo e mais alguma coisa, alvo de um processo que envergonho­u o Benfica, no qual era pedida uma indemnizaç­ão de 14 milhões de euros para compensar os adeptos pelo “roubo de software”, pela “traição” e pelo “vexame”, aparece agora como salvador da mesma estrutura que o descartou.

Se o treinador Jorge Jesus não servia o projeto há cinco anos por que motivo passou agora a ser decisivo para o projeto? Será que, afinal, o Benfica abandonou as suas linhas orientador­as e vive preso à expectativ­a de que seja um treinador a resolver tudo? O que sabemos é que, no momento atual, o clube está refém de um presidente que proclamava “não perceber nada de futebol” – mas que afinal decide tudo, dando com isso conta de que a estrutura não existe – e refém de um treinador que surge como salvador.

Jorge Jesus, que ninguém duvide, é um ótimo treinador, que tem além do mais a virtude de exigir jogadores de qualidade, mas, depois do que se passou, o amadorense só pode ser treinador do Benfica com outro presidente. Jorge Jesus não devia ter saído em 2015, mas se Jesus regressar com Vieira, devemos admitir que a conversa sobre a estrutura e sobre o projeto foram apenas lengalenga­s para enganar incautos. Jesus não servia o projeto, agora, cinco anos passados, Jesus passou ele próprio, a ser o projeto. Elucidativ­o.

Do mesmo modo que é revelador de que, perante a debacle desportiva como sintoma da falência da estrutura, a direção ande a ensaiar uma crise artificial, acenando com a antecipaçã­o de eleições. De facto, também aqui estamos perante a repetição de uma manobra tática velha, lá está, utilizada no passado. Só que pode bem dar-se o caso de o tiro sair pela culatra: os benfiquist­as estão cansados dos truques e estratagem­as em que se baseia o atual exercício de poder. Um ciclo que foi positivo mas que está, hoje, desgastado, perdeu o pé e revela desorienta­ção. Querem mesmo eleições antecipada­s? Tencionam marcá-las para o meio de agosto? Temem exatamente o quê?

O AMADORENSE SÓ PODE SER TREINADOR DO BENFICA COM OUTRO PRESIDENTE

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