“Vasco Seabra vai fazer um grande Boavista”
No dia em que o Boavista celebra 117 anos, o presidente dos axadrezados coloca os olhos no futuro. Para o líder não há dúvidas: a entrada em cena do investidor Gérard Lopez será crucial para o reerguer do afamado ‘Boavistão’
“GÉRARD LOPEZ ACREDITA NO NOSSO PROJETO. NÓS TEMOS UM PROJETO, SABEMOS O CAMINHO A SEGUIR, MAS FALTA O DINHEIRO”
“VOU REALIZAR UMA SESSÃO DE ESCLARECIMENTO E SE PERCEBER QUE OS SÓCIOS NÃO QUEREM, NÃO TOMAREI ESTA SOLUÇÃO”
Em dia de aniversário do Boavista, e olhando para o que foi o passado e para o que é o presente do clube, qual será a grande transformação doravante?
VÍTOR MURTA – A transformação do clube tem vindo a acontecer nos últimos anos. Quando tomei a presidência tinha a missão de criar estabilidade desportiva e financeira. Temos vindo, dessa forma, a cumprir com o que prometemos aos sócios. Ou seja, para além do sucesso desportivo, queremos também criar uma imagem de credibilidade e de estabilidade. Temos cumprido com todas as nossas obrigações. Não há ninguém neste clube que possa dizer que o Boavista está em incumprimento e essa é para nós uma vitória. Queremos isso para o futuro.
O Boavista cumpre, mas tem ainda um PER que condiciona as contas e que poderia, à partida, dificultar o futuro...
VM - Temos um PER, estamos a pagar as prestações e é óbvio que, enquanto tivermos o PER, vamos estar condicionados desportivamente. Temos quase dois orçamentos. Temos um orçamento de PER, na casa de 1,2 milhões de euros anuais, e temos um orçamento para o futebol que fica prejudicado. Conseguiríamos uma série de atletas só com o dinheiro das prestações do PER. Mas quando chegamos ao fim do mês ficamos tranquilos porque cumprimos com as nossas obrigações. O meu avô dizia que é mais importante termos crédito do que dinheiro. Estamos a viver um pouco disso.
Credibilizando-nos, fazemos com que os credores acreditem em nós.
É neste contexto que entra o investidor Gérard Lopez?
VM - Quando olhamos para este investidor, o Gérard Lopez, com o qual estamos a negociar a entrada no capital da SAD, é no sentido de podermos dar passos maiores do que aqueles que podemos dar por nós próprios. Nós, ao darmos este passo, não estamos a dar mais 117 à instituição, mas se calhar a eternidade. Para nós o importante era encontrar o parceiro certo. Não vale a pena andarmos sempre atrás do parceiro. O que fiz quando cheguei ao Bessa foi tirar a placa do ‘Vende-se’. Quando passamos por uma casa e vemos a placa durante meses, percebemos que a casa não vale nada, senão alguém a teria comprado.
Este acordo com o investidor é, portanto, uma forma de garantir um futuro para o Boavista?
VM - No pós-Covid, temos de ser empíricos e racionais. Um outro Covid desta vida pode pôr em causa a existência do futebol em Portugal. O negócio da Boavista SAD é o futebol e a maior receita são as transmissões televisivas. Como foi sabido, as operadoras agiram em cartel e em março deixaram de cumprir. Em março ficámos com zero receitas. Se houver um novo Covid, como vamos superá-lo? Tivemos a sorte de a Altice se ter comportado como uma verdadeira parceira e solucionou o nosso problema. Mas a questão é: e um novo Covid? Nós apenas vivemos do futebol. Um investidor tem essa mais-valia: o Gérard Lopez não vive só do futebol. Olha para o Boavista como uma forma de ganhar dinheiro e eu ficaria preocupado se assim não fosse, se não isto seria um brinquedo. Mas sei que numa qualquer dificuldade do Boavista terá forma de ir buscar uma qualquer outra receita de outro negócio que tenha para injetar esse dinheiro no Boavista, isso transmite tranquilidade. E transmite também pela pessoa que é. É alguém que é um ‘expert’ nas finanças e podemos estar todos tranquilos. E, além disso, acredita no projeto do Boavista. Nós temos um projeto, sabemos o caminho a seguir, mas falta-nos o mais importante: o dinheiro.
Acredita, então, num Boavista que não vai mudar a sua face?
VM - De maneira alguma. O objetivo do Gérard é fortalecer o Boavista. É, sem querer banalizar a expressão, voltarmos a ser o ‘Boavistão’. Temos condições para voltarmos a sê-lo sem prescindir do nosso ADN, sem prescindir do
que somos. Ele próprio, de todas as vezes que fui falando com ele, já sabe o que é o Boavista e como é que os boavisteiros interpretam o futebol. O Boavista é um clube exigente e ele tem consciência disso. Sabe as nossas necessidades, o nosso caminho e vai ajudar-nos, se os sócios assim entenderem, a que sigamos o nosso trajeto.
Havendo passos formais que se cumprem, o Boavista não tem AG marcada.
VM - Nós não temos de fazer uma assembleia geral para que seja aprovada a venda. Já foi realizada em tempos e nessa já foi aprovada. Seja como for, como gosto de cumprir com o que digo, vou realizar uma sessão de esclarecimento onde vou expor essa questão aos sócios. Se aí perceber que os sócios não estão de acordo com essa solução, eu não a tomarei. Eu às vezes estou em casa a pensar por que é que isto me aconteceu a mim. Porque eu vou ficar na história do
Boavista. Se aceitar a venda, vou ficar na história. Mas vou diminuir o peso da responsabilidade se transportar para os sócios essa decisão. Agora, eu estou convicto de que este tem de ser o caminho.
Teme que, com a situação do Aves, possa ter resistências neste processo?
VM - A melhor forma de tranquilizar os sócios é com o trabalho que está a ser projetado. É verem, com os próprios olhos, o que está a ser feito pelo Gérard, pelo Luís Campos, pelo Admar Lopes , em conjugação comigo. E nenhuma decisão será tomada sem o aval dos sócios.
Olhando ao tempo curto de preparação para a próxima época, este é um processo que tem que ser acelerado?
VM - Esse é um dos objetivos pelo qual o Luís Campos e o Admar Lopes cá estão. Percebemos que, se isto não for feito agora, perdemos o barco. Queremos criar condições, quer em termos de infraestruturas, quer em termos de atletas, que nos permitam fazer uma excelente época. E eu tanto mais acredito num investidor quanto mais ele continua a investir no Boavista sem ter a certeza de que vai ficar detentor das participações sociais. O Gérard está neste projeto para ganhar dinheiro, mas também com um elo emocional. Gosta do Boavista.
Tudo o que está a acontecer permite olhar para metas mais ambiciosas na próxima época?
VM - A constituição da equipa, a escolha da equipa técnica e a construção das infraestruturas leva-nos a crer que é possível. O objetivo é estarmos lá em cima. O Boavista não pode continuar a estar no 12º lugar. Nós queremos chegar e estar lá em cima, mas também não podemos almejar a ter grandes equipas se não houver dinheiro para pagar aos atletas. Isso na minha presidência nunca irá acontecer O Gérard vai dar-nos esse ‘input’ financeiro que permite lutar por outros lugares mas sem deixar de cumprir com as nossas obrigações.
Falando a longo prazo, que impacto pode ter este passo no sucesso do clube?
VM - Nós queremos um crescimento sustentado, acima de tudo. Queremos estar lá em cima, lutar por lugares cimeiros e, para isso, precisamos de sustentação financeira, de estruturas e sucesso desportivo, mas sempre num crescimento sustentado. Não podemos passar do 8 para o 80. Não podemos pensar que vamos ser campeões no próximo ano ou que vamos à Liga dos Campeões. Dar um passo maior do que a perna fez com que estivéssemos nesta situação agora.