Record (Portugal)

“SE O PLANTEL NÃO FOSSE SUFICIENTE NÃO TERIA FICADO”

O técnico brasileiro, que diz sentir-se seguro em Portugal, renovou por várias épocas com o Benfica, para executar um “projeto a médio prazo”. Para a próxima temporada, vai contar com os mesmos jogadores, “experiente­s e de caráter”

- TEXTOS ANA PAULA MARQUES FOTOS PEDRO SIMÕES

Há um ano e pouco, em entrevista ao Record, disse : ‘Não penso a longo prazo; não faço planos de longa duração’. O que o fez continuar no Benfica, depois de duas épocas iniciais?

MARCEL MATZ – Primeiro de tudo, a qualidade que o clube nos oferece para fazer um bom trabalho. Aqui temos todas as condições para trabalhar. Isso não é uma opinião de agora, já a tenho desde o início, até por informaçõe­s que recebi antes de vir para cá. O Benfica é um clube grande, sério, passa estabilida­de para uma profissão de risco, o desporto de alta competição, que vive muito em função dos resultados. Para um ‘cara’ que gosta de trabalhar, ter condições para o fazer é o principal. A minha família também gosta de estar em Portugal, por isso foram muitos fatores.

Renovou por um ano ou por três como Record noticiou?

MM – Temos um projeto de médio prazo, bem delineado para o que queremos fazer com o voleibol do Benfica, e é para executar esse projeto. Espero que, além do planeament­o, consigamos ter também resultados, pois aí as coisas ficam mais fáceis para colocar em prática o projeto. É esse o meu objetivo, trabalhar dentro do projeto que eu e o clube já traçamos desde há dois anos.

Para além das condições excecionai­s de trabalho que referiu ter encontrado no clube, a pandemia ajudou também de alguma maneira para que decidisse permanecer no Benfica?

MM – É difícil de responder. No voleibol do Benfica, saímos de umatempora­daemquevín­hamos liderando,foiamodali­dadedoano na festa do Cosme Damião, estávamos no alto e de um momento para o outro parámos. Profission­almente foi difícil para mim, para a equipa toda... Sou um ‘cara’... não sei se nervoso, mas toda a gente fica um pouco apreensiva com esta situação, mas Portugal lidou bem com o processo de início, e eu posso dizer que a minha família cumpriu sempre muito bem todas as recomendaç­ões. A minha mulher ficou 60 dias sem sair de casa, as crianças também, só eu saía para fazer as compras.

“O BENFICA É UM CLUBE GRANDE, SÉRIO, PASSA ESTABILIDA­DE PARA UMA PROFISSÃO DE RISCO, O DESPORTO DE ALTA COMPETIÇÃO”

“NÃO POSSO DIZER QUE JOGAR UMA COMPETIÇÃO EUROPEIA NÃO SEJA IMPORTANTE. É MUITO IMPORTANTE PARTICIPAR”

Passámos muito esta experiênci­a para a minha família no Brasil, e à medida em que foi evoluindo, pudemos entender melhor esta doença. Mas ainda hoje continuo a fazer as coisas com muito cuidado, tentopassa­rissoparao­smeuspais, que estão no sul do Brasil... Mas é difícil para eles. A minha mãe gosta de sair, conversar com as amigas, tem projetos sociais... Isto para dizer que não havia um lugar com uma segurança muito grande para se estar. A Itália, que tem um voleibol muito forte, Turquia, França, todos passaram por isso.

MasPortuga­léhojeumdo­slugares mais seguros em relação à pandemia. Se aqui estivesse muito crítico, talvez tivéssemos tomado uma outra direção, mas estamos tranquilos...

Como é que um treinador consegue planear uma época com as condições todas que se conhecem face à pandemia?

MM – Uma das estratégia­s passou por manter o plantel, que vem de há dois anos. Face a todas as instabilid­ades, um plantel que já esteja feito causa menos problemas. É uma equipa que tem muita qualidade, que vinha fazendo um bom trabalho, e a vontade e expectativ­a era manter todos os jogadores. Mantivemo-nos em contacto durante todo este período, apesar de ser complicado não saber o que ia acontecer. A nossa preparação vai ser mais curta, não vamos ter as seis/sete semanas, que é o que eu gosto de fazer na pré-temporada: vamos ter só quatro, vamos por isso adaptarmo-nos. Não vamos fazer treinos na praia, vamos diretament­e para o pavilhão, para tentar aumentar a quantidade de treino técnico. Os jogadores, como todos os anos, tiveram um plano físico de trabalho, de duas semanas de pré-época para não chegarem tão mal, mas já vinham fazendo esse trabalho – afinal, ninguém consegue ficar tanto tempo parado. Há outros que também estão a disputar o campeonato de voleibol de praia, porque sei que para a cabeça deles é bom .

Falou na importânci­a de manter o plantel. Mas, apesar de todas as dificuldad­es dos clubes face à pandemia, chegou a pedir

à direção do Benfica um ou outro reforço? E o plantel é suficiente, tendo em conta a idade [muitos acima dos 30 anos] de muitos jogadores, para atacar em todas as

frente (nacional e Europa), sempre com o foco nos títulos?

MM – Se não fosse suficiente, não teria ficado. Conhecemos bem a realidade do Benfica, é um clube de ponta em Portugal, na Europa, e quer vencer as competiçõe­s que entra e o plantel tem muita qualidade e opções, caso contrário não teria ficado. Afinal de contas, quem comanda, quem lidera o processo todo, é quem também assume os riscos do plantel. É uma equipa muito experiente, de caráter, tenho a certeza que vai manter o foco muito grande no trabalho, vai dedicar-se. Vamos tentar sempre acrescenta­r aspetos novos, para que os jogadores se motivem e se sintam desafiados. Desde o início que é assim. Já estamos com umas ideias novas, que tenho a certeza vão levar os atletas para um nível ainda maior. Mas vamos começar com muita precaução, afinal estivemos muito tempo parados, não podemos achar que vamos voltar como estávamos no dia em que parámos, a 10 de março. Vamos ver como vai ser o regresso, não vamos ter muito tempo para competir antes do campeonato, vai haver a Supertaça na retoma, mas isso não passa por ser desculpa, até porque todas as equipas estão no mesmo processo ...

Domingos Almeida Lima, vice-presidente do Benfica, chegou a dizer que só o futsal e o hóquei em patins competiria­m na Europa na próxima época. Mas o andebol e o voleibol também o vão fazer. No caso do voleibol, teve alguma coisa a ver com a mudança de planos da direção?

MM – Como treinador, entendo bem a posição do clube, o problema todo que estamos a viver com a pandemia. Mas não posso dizer que jogar uma competição europeia não seja importante. É muito importante. Quanto mais competiçõe­s de bom nível tivermos, melhor ficará a nossa equipa – então eu quero sempre participar em competiçõe­s importante­s. Vamos mais longe. Se fizerem o Mundial de Clubes, e se convidarem uma equipa e essa equipa for o Benfica, eu gostaria de participar. As competiçõe­s europeias são muito importante­s para esse projeto que falei a médio prazo. Temos de nos posicionar dentro da Europa.

O Benfica vai, no entanto, disputar a Challenge Cup, depois de ter tido uma boa prestação da Liga dos Campeões...

MM – Há que dar um passo atrás para dar depois dois em frente... Todas as competiçõe­s europeias têm, como dizer, o seu ‘gostinho’. Depois vamos jogar uma prova em que o Benfica já chegou à final, e saindo de uma boa Liga dos Campeões não vamos entrar como franco-atiradores, entramos, para dizerem ‘o Benfica voltou para ganhar’. Mas, se formos campeões nacionais, a minha vontade é jogar de novo a Liga dos Campeões. Se me perguntare­m se quero estar nuns Jogos Olímpicos com uma seleção, digo logo que sim. Quanto mais longe conseguirm­os chegar, melhor, é afinal o que todos os que trabalham com desporto querem e desejam: neste caso, eu, os jogadores, o Benfica, os adeptos. Ninguém está aqui para passar o tempo.

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