O sentimento de si
O campeonato acabou. Um sistema elitista que só olha para o topo das classificações, que exalta vencedores e vocifera contra os que perdem, esmorece aquando da luta pela permanência onde a alegria pelos que se salvam se amolece com as lágrimas de quem é despromovido. Sentimentos vários que este fenómeno transmite onde durante 33 jornadas só se vislumbra Porto, Benfica, Braga e Sporting e na 34.ª jornada faz-se zapping em vários canais à espera que não desça ninguém. Na última jornada, com duas posições que dão a descida de divisão, foi emocionante ver jogos disputados com um esforço estoico, nuns nervos inimagináveis. Parecia o regresso ao espírito amador que mantém o povo colado ao ecrã, onde as lágrimas dos sobreviventes comovem, contrapondo a aflição dos que se iam afogando.
Depois voltamos a olhar para a cidade. Toda a gente mascarada como se o Carnaval durasse o ano inteiro, ao jeito MMA cidadãos dão cotoveladas como nova forma de cumprimento, outros tocam antebraços simulando um duelo, outros um OK com o dedo polegar ao ritmo de um piscar de olho, e outros adeptos do namasté asiático, mais afastado e menos viral. Observa-se também um alegre entrelaçar de dedos de felicidade e júbilo. Todo o mundo esfrega as mãos, fingindo a felicidade suprema. Mas não é assim. Há preocupação e tristeza, receio pelo viajante desconhecido. Há necessidades básicas, económicas e de saúde, que há que solucionar. O futebol vai encobrindo esse sofrimento.
A Taça já terminou. A pureza do povo associado ao futebol. Neste dia de Taça não houve bifanas nem cachorros com garrafões de tintol; nem cores, nem bandeiras, nem ranchos. Mas houve festa nas casas de Portugal. E esta será a lição mágica para quem dirige o futebol, que mantendo corpo, emoção e consciência, para continuar a vender este produto ao preço que seja, sem infetar a genuinidade, o poder selvagem e a força espiritual de um jogo que não necessita assim tanto de se modernizar para nos seguir fascinando como se fôssemos crianças.